quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Olhando o céu

Na cidade, com Adriano fazendo a compra do mês no Supermercado Serve Bem Para Servir Sempre, de propriedade do Souza. Faço questão de carregar sacola por sacola, ele só dirige. Achei que já dava bastante trabalho à família monopolizando o carro com minhas compras. O jovem adorava dirigir, então propôs e assumiu o compromisso de me levar todo mês às compras. Duílio não demorou muito para aceitar a proposta do filho mais velho, sinal de que ou ele confiava muito em Adriano para fazer essas coisas ou eu estava sendo um pé no saco com meus pedidos de transporte. Esperava que fosse a primeira opção mas já que eu tinha Adriano como ajudante, não precisaria mais encher a paciência do patriarca, fosse esse o caso.

Eu e Adriano fomos até o Zé das Profundezas comer alguma coisa. Incrível, ele tinha pastéis de queijo minas e tudo. A vitrine de salgados ao menos não parecia uma boca banguela desta vez. Entramos sem reparar na mesa do fundo do bar, nos sentamos em uma mesa ao lado dela. Senti um estranho arrepio ao me sentar. Estava próxima de algo que me incomodava, mas que eu não sabia o que era. Comecei lentamente a olhar para o lado. Anderson estava sentado na mesa no canto mais escuro do bar, exatamente ao nosso lado. Se eu estendesse a mão, o tocaria. Adriano o viu e se levantou com o pastel e a garrafa de Coca-Cola 600ml na mão.

"Eu espero a senhora no carro", ele rosnou, não muito satisfeito com a companhia. Anderson ficou olhando calado para ele enquanto ele se afastava. O olhar se voltou para mim assim que Adriano desapareceu de seu campo de visão.

"Quanto ficou o trabalho na fechadura?", foi a primeira coisa que perguntei a ele.

"Já lhe disse, a senhora já pagou pela fechadura."

"Com isso você está tentando me dizer que toda vez que eu tiver de chamar você vou ter que pagar em pesadelos? Com você saindo da loja como um cachorro louco? Aqui não tem o Procon, mas tem o Conselho da Sociedade Antiga dos Taurinos."

"Próximo conserto eu lhe cobro em dinheiro", ele se apressou em garantir.

"Eu faço votos."

Saí com minhas coisas e fui comer no carro com Adriano. Não estava zangada com Anderson. Eu estava era com um certo medo dele.

À noite, saí sozinha. Fui até um descampado próximo mirar o céu, passar alguns momentos curtindo a bela noite estrelada de Taurinos. Abri uma canga no chão, me sentei e me deixei absorver pela visão daquele céu incomparável. O Cruzeiro do Sul, a Máquina Pneumática, a Cabeleira de Berenice. Quantas constelações mais eu poderia localizar?

Não tinha ainda meia-hora desde que eu havia chegado, e comecei a ouvir um murmúrio distante. Como o tempo, tornou-se mais distinto e nítido que tipo de murmúrio era. Cavalos. Como de costume, eu não demoraria a ter companhia. E muito provavelmente, má companhia.

Não me mexi. Se esses meninos continuassem essas brincadeiras perversas eu os levaria a Conselho eu mesma. Estava cansada daquilo. Os cavalos se aproximavam mais, mas diferentemente das outras vezes, os sons naturais da noite não se calaram. Com o máximo de cautela, me curvei e aproximei o ouvido do chão. Nada de estranho. Os cavalos se aproximavam cada vez mais. Colei o ouvido no chão a despeito de todas as recomendações da própria Polícia Obscura e de "sêo" Danilo. De novo, nada de estranho. Os cavalos se aproximavam cada vez mais; agora já estariam ao alcance da visão, se não viessem de algum ponto atrás de mim.

Como de costume, os cavalos reduziram o passo quanto mais perto chegavam até que pararam. Tive a impressão de ouvir um ruído de metal em meio aos sons naturais da noite. Depois, passos que vinham dos meus dois lados e o som de duas pessoas se sentando ao meu lado. Olhei para o canto esquerdo com o canto dos olhos e lá estava Anderson. Do lado direito, Renan. Nenhum dos dois dizia uma palavra. Eu permaneci em silêncio também. O fato de que num descampado tão vasto os dois teriam de parar justamente ali ao meu lado parecia teimosamente querer me dizer alguma coisa.

Não me lembrava de ter passado tanto tempo junto àqueles meninos sem dizer uma palavra. Foram ou pareceram ser horas. Depois de um período que pareceu uma eternidade, os dois policiais se ergueram e montaram nos cavalos, sumindo dentro da última escuridão da noite que precede a alvorada tão calados quanto tinham surgido.

Não havia trinta minutos desde que eles tinham ido, começou a clarear. Me ergui, dobrei a canga e ao me levantar, vi respingos de sangue sobre a grama ao redor da canga, exatamente onde os dois policiais tinham se sentado, o que indicava que a noite deles tinha sido agitada. Imaginei que as horas olhando o céu tinham sido boas para os dois. E tomei o caminho de volta para casa.

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