quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Cabritos

Os escoteiros do grupo de Varginha estavam reunidos em conselho em frente ao alpendre. Eram oito horas da manhã. Ouvia o vozerio, mas tentava adivinhar o que diziam através da janela, enquanto tomava café. Com o passar do tempo e do café, descobri que falavam do líder deles, Miguel. Saí para o alpendre depois que o debate parecia ter cessado e, ao abrir a porta, Andrés quase usou meu nariz como aldrava.

"Ia mesmo chamar a senhora", ele disse, sorrindo sem-graça.

"Deu pra notar. Vocês estavam falando sobre o Miguel? O que aconteceu com ele?"

"Ele sumiu. Ninguém sabe onde ele está, D. Stella."

Bruno se chegou, mas nada acrescentou ao que Andrés já tinha dito. Os dois estavam preocupados. Eu estava preocupada. Nenhum dos escoteiros do grupo tinha visto Miguel ao acordar. Renato se juntou a nós e disse que tinha visto alguém conversando com Miguel na noite passada e que esta foi a última vez que o viu.

"Você tem como dizer quem era? Conhece daqui da cidade?", perguntou Andrés.

"É ele vindo ali. O homem que eu vi com o Miguel", respondeu o escoteiro com segurança.

Olhamos na direção e era "sêo" Danilo vindo até nós. Perguntamos a ele se tinha visto o líder da tropa, mas ele não pareceu entender do que é que se estava falando.

"Mas eu vi o senhor conversando com ele ontem à noite", asseverou o menino, nos deixando confusos. Ele parecia ter certeza absoluta do que dizia, o que só aumentou a confusão.

"O mocinho deve ter visto alguém parecido, não conversei com o líder deles em momento nenhum ontem", "sêo" Danilo garantiu.

"Juro pela minha honra", o menino disse, "não fiz confusão não, era o senhor mesmo", ele parecia apavorado só de pensar que poderíamos achá-lo mentiroso.

A confusão só fez aumentar. O menino provavelmente não acreditava no velho sertanejo, mas não ousava discutir, o que implicaria chamar "sêo" Danilo de mentiroso. Andrés e Bruno olhavam para os dois e para mim alternadamente sem nada entender. Eu disse que ficaríamos ali o dia inteiro discutindo e não chegaríamos a parte alguma. Que precisávamos mesmo era sair à procura do líder.

E viramos a cidade de ponta cabeça. Nada. Perguntamos à Polícia Obscura se o viu. Eles riram muito com o episódio, mas procuraram ficar atentos. Não via graça nenhuma num desaparecimento de uma pessoa em Taurinos, mas procurei não criticar os dois e correr o risco de uma nova ondinha de ódio dos dois policiais. A última coisa que eu queria era os dois monstrinhos minúsculos podendo ajudar e não ajudando. Mas Renato não parecia pensar da mesma maneira. Pudera, não conhecia os dois como eu conhecia.

"É errado rir das dificuldades dos outros, vocês sabiam?", declarou Renato olhando sério para Anderson e Renan, tomando justamente a posição que eu não queria tomar. Renan e Anderson franziram a testa na direção dele, vi Renan esticar o pescoço como sempre fazia quando muito irritado e eles teriam crescido para cima do escoteiro se eu não tivesse segurado os dois. Renato se preparava para se defender e defender seu ponto de vista, quando eu consegui miraculosamente fazer murchar a tentativa de briga. Os dois ficaram mirando o escoteiro, extremamente irritados.

Tive de perguntar ao sertanejo se ele tinha escondido algo que não poderia falar naquele momento. Disse que não duvidava dele, mas que o menino tinha sido tão categórico ao dizer que se tratava dele, "sêo" Danilo, que a ideia me ocorreu. "Sêo" Danilo negou que tivesse mentido ou omitido o que quer que fosse. Não tinha motivos para isso, ele disse. Eu acreditava no sertanejo, mas fiquei absorta como ele, procurando entender o que se passava.

"O senhor não tem um desses… aspectos?"

Ele riu. Disse que não tinha nenhum aspecto além daquele que eu conhecia. Quanto mais eu pensava naquilo, mais confusa eu ficava. Ele também não era lá de muita ajuda naquele momento.

À noite, silêncio por toda parte. Deviam ser umas onze e meia. Perdi o sono após passar o dia procurando o líder dos escoteiros do grupo de Andrés e Bruno que desapareceu misteriosamente do acampamento. E eu que pensei que a internet me distrairia e me daria sono outra vez.

Fui para o alpendre, mas deixei apagada a luz para evitar que as mariposas e outras criaturinhas noturnas encostassem na parede do alpendre atraídas pela luz. Me sentei na cadeira de balanço, bem Dona Benta. A mistura interior, magia e provincianismo sempre me lembraria de Monteiro Lobato e seu eterno Sítio do Picapau Amarelo.

No entanto, a calma da noite não escondia que nem tudo era calma: a barraca de Renato se sacudia de maneira estranha, como se ele se espreguiçasse e não coubesse dentro da barraca ele mesmo. Corri o olhar pelas outras barracas e nenhuma se movia como a dele. Ao correr o olhar numa vista geral, dei com dois cavalos pretos amarrados num poste ao lado do portão de minha casa. Levantei da cadeira alarmada. Eles estavam aqui dentro. Corri para a barraca do escoteiro e abri o zíper de um único golpe. De dentro saíram dois cabritos pretos de olhos muito mais do que simplesmente maus, cuspindo fogo pela boca, uma das coisas mais bizarras, absurdas e apavorantes que já vi e o pobre escoteiro encolhido no fundo da barraca, olhos parecendo pires, olhando para mim. Olhei para o portão de minha casa e não havia mais cavalo nenhum ali.

"Os cabritos estavam falando comigo… A senhora não acredita, eu sei, mas os cabritos estavam falando comigo…"

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