sexta-feira, 17 de julho de 2009

Queria que estivesses aqui

Meu jardineiro e sua (leia-se minha) tesoura de grama estavam em ação no meu jardim. Se é que posso chamar esse deserto em torno de minha casa de jardim. Estava pegando neurose desse barulho, mesmo de longe. Entrava pela janela, mesmo com ela fechada, vinha varando tudo e me enchendo muito o saco. Ele tinha dito que vinha três vezes por semana, mas acho que reviu suas metas. Pior para mim.

Sonhei com Renan e Andrés esta noite. Brigaram até no meu sonho os pestinhas. Ainda procurava compreender a linha que separa o sonho da realidade aqui em Taurinos. Os meninos e "sêo" Danilo tentavam em vão me convencer de que esta linha simplesmente não existia. Não que eu estivesse em posição de não acreditar ou discordar. Mas era incompreensível para mim. Se eu fosse como uma dessas criaturinhas seria mais fácil. Mas as criaturinhas mesmo não dão mole. Às vezes penso que eles não têm as palavras para explicar. Mas, pensando bem, quem tem afinal?

E essa planta em minha frente, a esfinge perfeita. Sonho com ela nos intervalos de outros sonhos, suas espirais, como cachos de cabelos. O que há nessa planta, afinal? Ou no local onde ela fica? Qual o grande mistério por trás de toda essa loucura?

À tardinha, "sêo" Danilo apareceu para um café e para variar, me encontrou imersa na contemplação da planta. Ele relatou encontros estranhos durante a noite. Perguntei se o homem tinha ido até a casa dele pedir cigarros. Ele disse que tinha ido, mas não para pedir cigarros.

"Meu Deus, o que foi que ele fez?", fiquei assustada.

"Ficou só de longe, me chamando com a sua voz."

"A minha voz???"

"Sim, ele usa uma que a gente conheça, de preferência de um amigo nosso."

"Por isso usou a voz do Anderson quando nos encontrou na mata ontem."

"Exatamente. Se ele usasse a dele, a senhora provavelmente morreria de susto ou no mínimo não ia entender nada do que ele disse. Parecia estar chamando de algum ponto da estrada, o que a senhora jamais faria. Outro ponto é que se algo lhe chama para fora de onde está é porque não pode entrar, então o remédio é simplesmente não sair."

"Mas será que ele vai ficar aparecendo? A Polícia…"

"A Polícia não tem nada a ver com isso, só lida com os forasteiros, com os basiliscos. Essa entidade é daqui, não pode ser tocada pela Polícia. Talvez até por isso tivesse usado a voz do Anderson. Parece ser uma entidade bastante gaiata. Mas, respondendo a sua pergunta, não sei se apareceu o bastante ou se vai continuar a aparecer. Pensei que estava livre dele, mas não volto mais naquela parte da floresta."

Comentei como tudo o que nos cercava no momento estava tão impregnado de natureza, seres da natureza, todo o esquema da planta, matas, o Jardineiro Celeste. "Sêo" Danilo pediu que eu não comentasse com o Anderson que a entidade tinha usado a voz dele.

"Por que?"

"Porque o Anderson tem medo dessas coisas, pode achar que está vindo pra cima dele também."

"O senhor só pode estar brincando, o Anderson ter medo dessas coisas, logo o único membro da Polícia Obscura atuante no momento???"

Ele riu.

"Pois é. Uma assombraçãozinha com medo de uma assombraçãozona. Mas que assombraçãozinha também, eh?", e ele riu de novo.

Ele ficou sério e perguntou se eu tinha passado na Taurinos. Disse que era aniversário de Andrés hoje. A família tinha pensado em comemorar, mas isso antes do incidente; agora comemorar o que, com o menino preso dentro do Santuário?

Fomos até a Taurinos e encontramos o casal abraçado. Adriano estava sentado na sala também, olhos fixos na janela, distantes. Aparecida chorava, "eu queria tanto que ele estivesse aqui. Ia fazer um bolo de morango que é o favorito dele. Meu Astro Rei, ele está com aquela outra criança no meio do mato a essas horas… Sabe Mitra quando vão poder sair de lá. A senhora precisa ajudar, D. Stella…"

Ela me abraçou desesperada e eu me senti em dívida com aquela pobre mulher. Me senti culpada por simplesmente estar ali quando deveria estar fanaticamente olhando aquela planta bonita e imbecil.

Eles me disseram que estavam saindo com os Teixeiras para levar a eles algumas coisas que os dois mais gostassem de comer e fazer uma festinha de aniversário em meio ao mato à noite. Eles não podiam acampar no Santuário como os dois, mas podiam ficar quanto tempo quisessem.

Em casa outra vez, eu e "sêo" Danilo ficamos conversando sobre o que eu já tinha observado. "Sêo" Danilo concordou que Arthur tinha me colocado numa posição delicada diante das pessoas mais próximas de mim na cidade: Aparecida, Duílio, Donana e "sêo" Octávio.

"Ele pagou o bem com o mal", eu disse e ele me comentou que essa era a minha ideia de bem e de mal e poderia não ser necessariamente a do Jardineiro Celeste. Mas que reconhecia que a ajuda dele tinha causado mais prejuízo a mim que a minha a ele.

Eu disse que estava triste pelo fato de ver uma família ir para o meio da floresta para celebrar o aniversário de alguém que não pode sair de lá. Ele disse que podia ser triste, mas era bonito ver os pais se mobilizarem para levar um pouco de conforto aos filhos numa situação crítica como essa. Tive que concordar. Ele disse que sairia dentro de mais alguns minutos para ir à festinha. Eu fiquei contente ao saber e o encorajei a ir.

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