sábado, 18 de julho de 2009

Demanda

Anderson passou hoje em casa a cavalo. Perguntou como estavam Andrés e Renan e eu disse a ele que ele tinha batido na casa errada. Eu o direcionei para a fazenda Taurinos onde o Conselheiro morava antes do início desta confusão, onde poderia ter informações mais detalhadas; ele parecia um forasteiro que estivesse entrando na cidade pela primeira vez em sua vida.

"A senhora me arranja um copo d'água?"

"Não, já disse que enquanto seu parceiro e Andrés não puderem entrar, nenhum dos meninos entra, bebe água ou o que quer que seja em minha casa. E não vou ficar repetindo isso, porque não sou gravador."

"Mas D. Stella, não tenho nada a ver com essa estória…"

"Nem eu, e olhe o que fizeram comigo e com a minha casa."

Mais à tarde, a clássica visita de "sêo" Danilo e eu queria saber sobre a festinha no meio do mato. Ele disse que os meninos ficaram contentes em receber a visita de todos, mas que estavam em condições cada vez piores. Renan chegava a ter sangue tirado por mosquitos. A abertura era tão grande que deixava escorrer um filete de sangue de dentro da ferida. Não bem recuperado do incidente com o sino que drenou muito de sua energia, agora era isso.

"Se a senhora não conseguir descobrir rápido o que aconteceu lá no Santuário, não sei… Nossa, dá dó ver os dois daquele jeito…"

Até "sêo" Danilo, a seu modo, me pressionava. Uma sombra passou rapidamente por mim, de puro desalento. Ele me contou que tinha estado de manhã na fazenda Taurinos. Duílio tinha ido à cidade. Arthur passou por lá e tentou repreender Aparecida e a ele por terem ido comemorar o aniversário de Andrés na mata. Como fiel depositário das tradições daqui, ele disse ao Arthur que ele não tinha qualquer direito de impedir a família de celebrar o aniversário de um de seus membros. Fiquei revoltada com a atitude de Arthur e parabenizei "sêo" Danilo pela sua.

"Ele teve sorte de "sêo" Duílio não estar lá. Ia dar pano pra manga."

"O senhor tem muita temperança; se eu estivesse lá, eu tinha gritado com ele. Aliás, quando eu o vir aqui, ele vai ter que ter uma boa conversa comigo."

"Mas vá devagar, "sá" Stella, não vamos complicar ainda mais as coisas…"

"E homem que pede cigarros? Apareceu novamente?"

Ele sorriu e disse que não, pelo menos não naquela noite e não no Santuário. Perguntei se ele entrava no Santuário. Ele disse que sim.

"O senhor já pensou em voltar até aquele trecho da mata e levar um maço de cigarros para ele?"

Ele empalideceu. Eu nunca o tinha visto pálido assim antes. Perguntei a ele o que havia de assustador na ideia. Ele disse que se fizesse isso, voltaria a fumar.

"Assim, automaticamente?"

"Talvez."

Ele me falou que teria de ficar naquele trecho de mata e fumar pelo menos três cigarros; o homem apareceria e ele lhe ofereceria os cigarros e fumaria e conversaria com ele.

"Mas não é melhor voltar a fumar e tentar manter um consumo mínimo do que ficar sendo assombrado na mata e até em casa?", eu tentava analisar a relação custo-benefício.

Ele parou por um longo tempo, em que só se ouviam os sons da tarde, os mugidos e latidos ao longe, as galinhas e galos distantes, pássaros em suas eternas jam sessions, o todo. Finalmente, ele declarou que não queria mesmo voltar a fumar. Achei que estava fazendo mal a ele aconselhando-o a voltar a fumar.

"E se só fumar os cigarros do ritual?"

"Ah, não sei, tenho medo de gostar de novo e voltar a fumar que nem louco outra vez. Aí é que está."

Eu afirmei que se havia pelo menos uma chance disso não acontecer, que valeria a pena tentar. Ele teve de concordar. Nosso olhar se voltou sobre a planta. O meu porque eu tinha de estudar a planta até cair, o dele por ter sido atraído pelo meu.

"Não aguento mais olhar essa planta. Não entendo em que ela possa resolver isso, "sêo" Danilo, simplesmente não entendo."

Eu andava numa pilha de nervos só. A notícia de Arthur tentando repreender o pessoal da Taurinos e "sêo" Danilo me deixava ainda mais nervosa e zangada, se somando a toda a frustração por tudo o que vinha acontecendo e o estado dos meninos lá no Santuário. O sertanejo sorriu bondosamente como um sábio chinês. Falou que certas coisas levavam tempo, mesmo estando debaixo de nosso nariz.

"Eu já sei o que aconteceu no Santuário", ele declarou, me deixando atônita, "refiz seus passos mesmo no escuro, passei por ali de vários modos e vi que o que lhe aconteceu lá me aconteceu também. Mostrei aos meninos e às famílias o que era."

"Então, o que foi???", eu não podia esperar.

"Eu não posso lhe dizer ou eu anulo a demanda. O Jardineiro Celeste criaria outra demanda, muito pior. Só a senhora tem o poder de resolver a demanda sem anular. Se a senhora disser tem validade e a demanda deixa de existir. Se eu ou qualquer outra pessoa disser, a demanda vai ser anulada e vai se tornar outra. Creio em Deus padre."

"Mas como eles saberiam que o senhor me deu a solução?"

"Saberiam porque veriam que a demanda foi anulada, D. Stella. Não iam me ver dando a solução para a senhora, mas os sinais de que a demanda foi anulada seriam claros para eles. Há até o perigo dos meninos ficarem para sempre no Santuário."

"Que coisa horrível!"

Aquilo urgia algo dentro de mim. Um senso de responsabilidade extrema por dois meninos que eu nem conhecia no início do ano. Agora todos sabiam o que era, menos eu. Recordei novamente quando me fizeram tentar lembrar da cerimônia em março. Sem dúvida, a situação era a mesma. E eu recordo o quanto tempo levei para lembrar.

"Sêo" Danilo disse que ia embora. Que ia até a cidade comprar cigarros.

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