sexta-feira, 10 de julho de 2009

Ficus

Chamei Renan para fora. A cerca de minha casa estava coberta de plantas espinhosas. Ele veio e ficou assombrado. Ficou me olhando com os olhos apavorados, o que me apavorou por sua vez.

"De onde veio isso???", ele estava perplexo.

"Bom, você era a minha única esperança de explicação…"

"Ih… O Santuário…", o menininho pôs as mãos na cabeça, "o Jardineiro Celeste começou cedo…"

"Você quer dizer que o morador lá do Santuário está se vingando da gente? É isso que quer dizer?", eu já estava apavorada com a perspectiva.

"É isso o que eu quero dizer.", ele me olhava com medo da reprimenda.

"Renan Augusto Giacomin Teixeira, você e o Grão Vizir me meteram nessa enrascada. Isso aqui na cerca é só o começo, o que vai vir depois? Por que isso? Para que me levaram naquele lugar? Será que não dá pra gente ter um minuto de paz nessa merda dessa cidade?"

Renan ficou calado. A confusão, eu sabia, estava apenas começando. Poderíamos ter mais um mês de graça para descansarmos da loucura que foi o problema com Tinnitus. Mas isto é Taurinos e aqui não se descansa. Os meninos providenciam para que não haja um único minuto de descanso por aqui. Os mesmos que temiam que a cidade fosse ficar sem-graça já que tudo (ou quase tudo) por aqui se congelou no tempo.

Andrés foi o outro que apareceu logo depois. A notícia da invasão já chegou lá na Taurinos, Andrés já apanhou gostoso de cinta de seu pai, o ainda durão inflexível e medieval Duílio, e veio ter conosco. As plantas espinhosas cercavam a casa da fazenda e o alpendre onde costumo ficar quando fico lá. Perguntei a eles se sabiam o que fazer agora. Em que confusão tinham me metido. Os dois não sabiam o que dizer.

Eu disse a eles que se eles sabiam que uma pessoa de fora não poderia entrar no Santuário, estavam cometendo sacrilégio conscientemente. Eles juraram não saber que mesmo tendo criado a cidade inteira e todo o seu entorno eu não poderia entrar lá. Se agarraram na teoria de que eu tinha o direito de entrar lá por ter criado a cidade. Eu disse a eles que muitos fundadores de cidade só fizeram destruir as localidades onde as fundavam. Que isso era perfeitamente esperável de situações como essa.

"O Jardineiro Celeste está punindo a gente. Que merda de ideia ter ido até lá com D. Stella…", disse Renan, tristonho.

"Agora não adianta ficar triste, Renan. Temos é que ver como é que vamos sair dessa confusão.", afirmou Andrés olhando timidamente para mim por trás dos óculos.

"Agora que a cagada está feita, não, Sr. Andrés Silva Conselheiro?"

"Desculpa a gente, D. Stella…", ele tentou.

"Se fosse esse todo o problema…"

Arthur apareceu lá para umas onze horas. Vinha de jardineira, com ferramentas agrícolas pequenas aparecendo semienterradas nos bolsos. Para mim, ele pareceu o próprio Jardineiro Celeste. Arthur jamais apareceu por aqui. Ele desceu do cavalo e veio ter conosco no alpendre onde nos protegíamos do Sol causticante das onze horas da manhã. Ele não nos cumprimentou; a cara não era de muitos amigos.

"De quem foi a brilhante ideia de levar D. Stella ao Santuário?", ele perguntou seco e incisivo.

Renan ia responder quando Andrés nos surpreendeu a todos, mandando o policial se calar e assumindo a confusão sozinho.

"A ideia foi minha, Arthur. Renan nem pensava em caminhar do jeito que estava, veio porque não queria ficar sozinho em casa, sei lá. Veio porque veio."

"Por que você foi com eles, Renan?", Arthur perguntou no mesmo tom seco e incisivo de antes.

"Pelo motivo que o Andrés falou.", Renan estava nervoso, mas prosseguia firme, talvez decidido a mostrar seu lado durão, "é interrogatório do Conselho? Se for, por que não fazer reunião no Mithraeum?"

Arthur virou para ele, mostrando os dentes, "quer resolver isso no Conselho, Renan? A gente marca reunião, não tem problema quanto a isso. Não prefere resolver aqui amigavelmente? Você calado já está errado, cara."

Nunca tinha visto Arthur falando nesse tom. As coisas estão mesmo loucas por aqui. Parecia que o Grão Vizir e o Agente tinham arrumado mesmo encrenca da grossa desta vez. Tentei intervir, mas Arthur não demorou a me mostrar os mesmos dentes:

"D. Stella, com toda a consideração que a senhora merece de mim, fique fora disso. Não ajuda eles não, que a senhora acaba indo pelo mesmo caminho."

Quando ele disse isso, passarinhos começaram a aparecer de todas as partes e cavar em torno de minha casa, parecendo colocar sementes no chão. Eu e os meninos ficamos olhando sem entender nada, quando Arthur declarou, "isso é só para garantir que a senhora não ajude os dois, D. Stella. A partir de hoje o sabe-tudo vai ficar com as antenas presas na senhora, então preste atenção no que falar."

"O que foi que os pássaros fizeram?", as palavras dele me assustaram e mais ainda me assustaram quando ele explicou que os pássaros tinham deixado sementes ali de plantas do tipo do fícus, santa-bárbara ou primavera, de raízes agressivas para a fundação de uma casa.

"Se a senhora não ajudar os dois, as sementes simplesmente não vingam. Se ajudar, seja do jeito que for, elas crescem o máximo delas em quinze minutos. E aí, já viu, adeus casa. O mesmo vale para a casa da sede da Taurinos e da Teixeira. Ah, e não tentem desencavar as sementes. O que vai acontecer se tentarem é bem desagradável, podem ter certeza. Avisem para que ninguém tente."

Ele nos tinha assombrados. Eu disse a ele que ele não podia estar falando sério. Andrés e Renan me disseram que ele estava falando sério. Arthur me disse que ele estava falando sério.

"Mas que loucura é essa? Em que eu poderia ajudar os dois?"

"A senhora sabe."

"Não, eu não sei, Arthur", aquilo estava me deixando nervosa.

"A senhora sabe, sim. Ainda não sabe que sabe ou o que é que sabe, mas sabe."

Ele montou no cavalo e se foi pela estrada a galope. Que merda. Uma bomba-relógio feita de plantas enterradas em volta da minha casa. O pior é a sensação de que não vai adiantar chamar o Conselho para decidir a querela.

"Ele veio em nome do Jardineiro Celeste", disse Andrés depois de um suspiro puxado. Renan, sem querer, o imitou no suspiro.

"Pelo que soube, tirando os dois patetinhas na minha frente, qualquer um que vier falar com vocês, incluindo eu mesma, vai estar vindo em nome do Jardineiro Celeste, Andrés. Olhaí essa merda que vocês fizeram. Vai derrubar minha casa. Vai derrubar a casa de vocês. Vocês não têm consciência?", eu estava nervosa e aborrecida com eles. Os dois ficaram me olhando com uma cara de paisagem típica de atores esperando o corte para os intervalos comerciais.

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