domingo, 19 de julho de 2009

Caipora

Briguei com Arthur na porta de casa hoje. Perguntei como ele ousava proibir as pessoas de festejarem um aniversário. Ele respondeu que aquilo tinha de ser castigo, não piquenique. Eu o repreendi severamente, nos moldes de "sêo" Danilo e disse que ele estava abusando de sua autoridade. Ele nada respondeu, mas ficou me olhando emburrado enquanto eu me afastava.

Ao voltar, encontrei Arthur caído no sol, ao lado da cerca. Corri até ele e tentei reanimar o menino, mas ele não parecia responder. Eu o levei até em casa, e ele acabou voltando a si no sofá. Estava confuso e desorientado e tentou levantar. Eu o sentei de volta no sofá e lhe trouxe água. Perguntei se ele tinha saído de casa sem comer. Ele disse que sim. Perguntei por que ele tinha saído de casa sem comer. Ele disse que queria desmaiar e ver se eu o socorria e como eu o iria socorrer. Era apenas uma pestinha nojenta.

Eu o levei até a mesa da cozinha e dei café da manhã a ele. Não que ele merecesse, mas eu vinha sendo bem dura com ele. O suor frio do menino era algo como hipoglicemia ou pressão baixa. Às vezes tenho essas coisas e sei que frequentemente se precisa de ajuda uma hora dessas. Ele mordia e mastigava as broas de milho e os pães de queijo até ficar ofegante, completamente sem fôlego. Eu o fiz comer mais devagar.

Ele pareceu não ter palavras para agradecer quando guardou a tesoura e montou em seu cavalo. Desapareceu pela estradinha e me deixou com a certeza de que tinha passado por mais um teste.

Contei a história de Arthur a "sêo" Danilo e ele apenas sorriu. Disse que os extremos a que os meninos podiam chegar de vez em quando eram realmente extremos, e acabou rindo. Fez um paralelo com a história de Arthur sendo jogado para fora do cavalo, paralelo com o qual eu tive de concordar.

Vi um volume no bolso de sua camisa e perguntei a ele se tinha realmente comprado os cigarros. Ele sorriu e me mostrou o maço de Souza Paiol que ele tinha comprado no Souza. Mineiro até a última, brinquei. Souza Paiol eram cigarros de palha mineiros manufaturados em fábrica, com dois anéis que seguravam a palha enrolada. Perguntei a ele se estava indo para a floresta para tentar o contato. Ele disse que sim. Perguntei se poderia ir junto.

"E a senhora não tem medo não?"

"Tenho, mas a curiosidade é maior."

Ele riu e disse que eu poderia ir se quisesse. Mas disse que se eu fosse teria de seguir para a floresta agora, "o Sol não demora a encostar no horizonte, se vai, vamos agora."

O Sol ia bem baixo quando retornamos àquele ponto da mata, seguindo pela trilha que nos trazia desde a estrada de terra lá fora. Paramos no mesmo lugar e nos sentamos. Ele tirou do bolso o maço de Souza Paiol, tirou de dentro um cigarro e o acendeu. Ficamos em silêncio, enquanto ele fumava. Ele não tinha fumado mais que a metade quando um assobio distante se fez ouvir.

"Lá vem ele", disse o sertanejo calmamente entre um trago e outro.

"Preciso fechar os olhos ou coisa assim?"

"Não. A senhora provavelmente conhece quem vem vindo."

"Eu conheço?"

"Sim, é ele, mas usando uma forma que a senhora conhece bem."

""Sêo" Danilo! Tá perdido aqui de novo?", era a voz de Anderson novamente.

"Perdido eu vou ficar se seguir a sua voz", respondeu "sêo" Danilo, piscando para mim como se falasse à distância com um velho amigo.

O mato vinha estalando. O estalido crescia mais e mais vindo para a clareira. Quando ele surgiu em nosso campo de visão, era o próprio Anderson, em suas roupas de passeio. Ele olhou para mim e para "sêo" Danilo e se sentou no chão junto conosco.

"Resolveu trazer cigarro?", e ele sorriu.

"Sêo" Danilo tirou um cigarro do maço e ofereceu a ele. Ele acendeu na brasa do cigarro de "sêo" Danilo e fumou com ele. "Sêo" Danilo já estava em seu terceiro cigarro. Houve uma pausa. "Anderson" olhou para mim e me reverenciou como a Criadora de Taurinos e de todo o seu entorno. Fiquei embaraçada, mas aproveitei a oportunidade para falar com ele.

"A senhora tem poder que desconhece. A senhora ficaria bonita de cabelos presos.", foram as duas únicas coisas que ele me disse.

Ele se foi e levou o maço embora. "Sêo" Danilo e eu ainda nos deixamos ficar ali mais um pouco. Estávamos em silêncio, mas compreendendo tudo ao redor. Ou quase tudo.

"Por que acha que ele me disse isso?"

"Acho que ele tem boas dicas para dar. E se uma criatura da floresta como ele deu essa dica, a senhora deve aproveitar. Pense a respeito do que ele disse."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aí algumas linhas. Agora, sem essa de Viagra ou Tramadol ou coisas do gênero ou seu comentário vai para a lata do lixo.