segunda-feira, 20 de julho de 2009

Terceira visita

Olhando a planta, como de costume. O padrão encaracolado dela me segue por toda a parte, como se fosse um cachorro querendo me mostrar alguma coisa. Não entendo o que ele quer dizer, mas já sei que se não entender vou prolongar indefinidamente a estada dos dois meninos no Santuário.

Anderson passou novamente a cavalo e desta vez não me pediu água. Perguntou se eu queria ir com ele até a Cachoeira dos Chifres. Fazia muito tempo que eu não ia até lá. Não me lembrava de ter ido lá depois de minha morte, talvez fosse mesmo a primeira vez desde então.

"Não entendo porque a senhora não deixa os outros meninos entrarem, D. Stella. É porque todos os outros apoiam o Jardineiro Celeste?", ele perguntou enquanto caminhávamos até a Cachoeira dos Chifres.

"Eu apoio o Jardineiro Celeste", eu declarei ao Anderson.

"Parece mais que a senhora está em guerra com ele."

"Eu sigo pelo que é certo. Acho que ele não tinha o direito de me impedir de falar com eles. No começo, eu não podia nem sonhar em ajudar os dois. Agora sou a única que pode ajudar os dois. E, mesmo sendo a única que pode ajudar os dois, não posso contatar nenhum dos dois diretamente porque não posso entrar no Santuário. Não é palhaçada?"

"A natureza afeta quem estiver no caminho", ele deu de ombros.

"A natureza e eu", rebati.

Fomos em silêncio o resto do caminho. Anderson não parecia querer dar um passeio. Assim, do nada? Era como se tivesse algo a me dizer que não dizia. Quis perguntar isso a ele, mas me contive. Sentamos lá em silêncio em meio ao barulho da cachoeira por um momento. O momento se tornou uma hora. Nem eu nem ele diziam palavra. Foi quando ouvimos a voz de Anderson gritando no meio do mato, ""sêo" Danilo! Oh, "sêo" Danilo, está perdido ainda?"

Olhei para o ferreiro e o ferreiro olhou para mim. Ele arregalou os olhos para mim e fez menção de se levantar. Eu o puxei para a pedra e ele viu ele mesmo aparecer na nossa frente.

O Caipora ficou embaraçado ao ver que era o menino quem estava presente em vez de "sêo" Danilo. Procurou em volta, me deu umas folhas e disse que eu esfregasse nos olhos do menino quando ele se fosse. Me disse novamente que meus cabelos ficariam bonitos presos. E se foi.

Anderson continuava com os olhos arregalados na mesma direção em que o Caipora estava. Esfreguei nos olhos dele as folhas que o Caipora tinha me dado. Anderson voltou a si e seus olhos voltaram ao tamanho normal.

"O que aconteceu aqui, D. Stella?"

"Nada…", tentei, mas não fui casual o bastante.

"Que quer dizer com nada? Ouvi minha voz no meio do mato, chamando o "sêo" Danilo, depois me vi na frente da gente falando com a gente. Era isso o seu nada?"

"Você quer mesmo saber o que aconteceu?"

"Quero, D. Stella."

"Você tem certeza de que você quer mesmo saber o que aconteceu?"

"Tenho, D. Stella", ele estava ficando impaciente.

"O Caipora usou a sua voz e sua imagem para nos contatar. Fez isso comigo e "sêo" Danilo ontem no mato."

Contei tudo a ele, do pacto com os cigarros e tudo e de como "sêo" Danilo fumou com a entidade dentro da mata. Anderson empalideceu e parecia gelado enquanto me ouvia. Ele estremeceu, tomado por calafrios. Bem que "sêo" Danilo me advertiu contra contar a história, principalmente ao Anderson, mas no caso não tive muita alternativa. A criatura acabou escancarando o caso.

"Bom, quis porque quis saber, é isso."

Toquei em Anderson. Ele estava gelado como um lagarto. Estremecia de cima a baixo. Levou uma hora ou mais para que ele pudesse se recuperar. Quando ele parecia melhor, eu o levei até em casa. Acabei oferecendo água, mas desta vez foi ele quem não quis. Ele se foi em seu cavalo, olhando para trás, como se temesse estar sendo seguido.

Quando à noite eu contei ao "sêo" Danilo o que aconteceu, ele pôs as mãos na cabeça, "mas ele parecia melhor quando foi embora?", e eu disse que sim. Ele pareceu mais tranquilo quando eu disse isso.

"Não teve jeito de esconder, "sêo" Danilo, o menino viu tudo na frente dele como cinema."

"Eu sei que não foi sua culpa, "sá" Stella."

"Foi como se na verdade ele não estivesse procurando o senhor de fato. Como se ele tivesse passado por ali só para me dizer que meus cabelos ficam mais bonitos presos."

"Ele lhe disse isso outra vez, foi?", ele se quedou pensativo, "a senhora recebeu isso duas vezes dele em dois dias diferentes. Ou ele está com uma vontade danada de lhe ajudar ou ele está recebendo instruções de alguém mais para lhe procurar nas matas e lhe dizer isso."

"E quem poderia ser?"

"Poderia ser alguém que a senhora ajudou recentemente", tornou ele, "pense bem nisso."

A noite estava bonita lá fora. Coloquei café na garrafa térmica e convidei "sêo" Danilo para ir olhar o céu. Nos sentamos na frente da casa e ficamos em silêncio olhando as estrelas. Eu pensava em toda essa história da entidade agora cismar com meus cabelos. O que quer que ele estivesse me dizendo vinha parecendo repetitivo demais para não ser simbólico. Lembrei que eu mesma tinha até comparado aquela planta a um cacho de cabelos. Era comum comparar-se a estrutura dos cabelos com aquela da vegetação. O que havia? Seria esse o simbolismo? "Sêo" Danilo me ouvia sério e pouco comentava meu fluxo de pensamentos. A noite seguia.

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