quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ajuda

Mithraeum. Arthur era o Oficiante do dia. Adriano foi um dos que mais falou durante a reunião. Falou demais e não disse nada. "Sêo" Danilo não disse uma palavra, mas trazia principalmente Bruno no olho todo o tempo.

"Eu peço aos irmãos que não prolonguem a reunião desnecessariamente", disse o Oficiante, com a cara de quem estava ficando entediado, "se um ou dois de vocês puder retirar sua inscrição para falar, os trabalhos pode ser concluídos mais rapidamente."

Adriano se acanhou e retirou sua inscrição. Anderson e Guilherme também. O Oficiante então se dirigiu a mim.

"A senhora quer fazer alguma pergunta?"

"Quero perguntar ao Bruno qual o som da voz dele quando ele fala", brinquei, fazendo o menino me fulminar discretamente com os olhos.

"A senhora tem de se manter no tema que está sendo discutido. O Mithraeum hoje não é lugar para conversa informal. A senhora tem alguma coisa a dizer sobre o tema?"

"Nada a dizer, sr. Oficiante."

Ele prosseguiu, falando para todos os membros da Sociedade Antiga dos Taurinos:

"Ontem, como é do conhecimento de todos, tive um acidente com o cavalo num ermo próximo à cidade. Quero deixar registrado que se não fosse por D. Stella eu ia estar até agora jogado naquela estrada."

"O senhor não está também fora do tema?", eu cutucava o Oficiante.

"Sua permissão para falar se esgotou para o momento, D. Stella. Aguarde que uma nova permissão seja concedida, por favor", e ele prosseguiu, "todos sabem que o Jardineiro Celeste proibiu D. Stella de ajudar os irmãos Andrés e Renan em qualquer coisa, mesmo sendo dar a eles um copo d'água que seja. Até o momento, ela estava procedendo igualmente para com o Jardineiro Celeste e todos os membros deste Conselho. A única exceção tinha sido "sêo" Danilo."

O sertanejo olhou para mim e sinalizou levemente para que eu não aceitasse provocações ou coisas do tipo.

"Ontem ela provou para este Oficiante que sua disposição de pagar ao Jardineiro Celeste na mesma moeda não é tão firme quanto ela quer fazer parecer."

Eu quase me levantei, enfurecida. Vi o sertanejo me sinalizando novamente, nervoso, de onde ele estava. Vi o Bruno observando o movimento dele com atenção. Decidi esperar e ouvir até o fim.

"Ela andou comigo nas costas por uma légua tirana. Admirei a energia dela; assim como vocês, não sou leve. O cansaço dela me tornou muito mais pesado, tenho certeza disso. Não muita gente faria o que ela fez principalmente depois de saber que a gente pode num estalar de dedos transformar em entulho a casa dela com tudo o que foi construído, por fora e por dentro. Sinto ter estragado o seu passeio, D. Stella."

Ele parecia realmente sentido ao dizer isso. Anderson olhava para mim, todos os outros olhavam para mim, gerando o desconforto de estar no centro da roda. O Oficiante continuou num tom mais tranquilo:

"E como a senhora me ajudou num momento difícil, o Jardineiro Celeste vai ajudar a senhora também. Ele sabe que a senhora quer mais que tudo ver os dois meninos de volta para casa. Nós queremos também. Também detestamos a ideia de fazer isso com eles, mas eles têm de aprender que existem coisas que não são brinquedo e não estão à disposição dos caprichos deles. Se eles soubessem isso de saída, não precisaríamos estar aqui hoje discutindo esse tema."

Ele fez uma pausa. Silêncio geral. Ninguém se inscreveu para falar.

"Eles jamais poderiam encontrar o que a senhora deixou lá dentro sem sua ajuda. E é assim que o Jardineiro Celeste vai ajudar a senhora. Por isso eu insisti que o presente tinha de ser aberto. Não somente por ser uma planta. Mas porque o meu presente para a senhora é a solução desse problema todo. Porque é olhando para a planta com atenção que a senhora vai resolver esse problema todo e fazer com que a cidade volte ao normal."

Me inscrevi e obtive do sr. Oficiante nova permissão para falar.

"O senhor quer dizer que a solução está na planta?"

"Quero dizer que a solução está na senhora. Observe a planta com atenção, até cair de sono na frente dela, e com certeza vai descobrir. A senhora é inteligente e vai descobrir. Só uma pessoa inteligente e estudada criaria tanta maravilha numa cidade só. Só a senhora pode tirar os dois meninos do Santuário agora. Nós sabemos o que aconteceu e sabemos onde está o que a senhora deixou lá. Mas não somos faxineiros de ninguém. Nada contra os faxineiros, uma profissão honesta e nobre, só que não é esse o nosso ramo. Renan e Andrés criaram essa confusão e só eles, que agora vão poder contar com a sua ajuda, vão poder dar jeito nisso."

O Oficiante prosseguiu dizendo que assim que eu encontrasse a solução, poderia mandar qualquer pessoa avisar aos dois o que procurar e onde. Os dois trariam o que foi deixado lá eles mesmos.

Eu e "sêo" Danilo ficamos sentados por mais de duas horas em frente à planta. Ele disse que já tinha me falado uma vez que era fácil de localizar aquela planta. Que ela ficava no meio do caminho, quase já no Santuário. Que ele poderia até ir ver o local e até mesmo descobrir o que eu tinha deixado lá, mas que não poderia me dizer, porque era eu quem tinha de descobrir o que tinha acontecido lá dentro. Se ele o dissesse, anularia toda a demanda e talvez desencadeasse coisa pior.

"Nó, "sá" Stella, os meninos já estão muito irritados com a senhora; agora a gente vai ter que obedecer o Jardineiro Celeste cegamente", disse "sêo" Danilo quase à meia voz.

"Mas o Renan e o Andrés não podem simplesmente sair de lá?"

"E eles iam ficar devendo pra comunidade deles? Não, eis têm brio, pode dizer muita coisa dos meninos, mas eis têm brio. A senhora sabe que têm. Outra coisa é que ninguém ia se atrever a guiar eis pra fora e eis mesmos, se tentassem sair sozinhos, iam ficar andando em círculo eternamente tentando sair sem resolver o assunto."

E essa minha fraqueza agora? Sei que o problema foi criado por eles. Mas onde está o meu brio se não os ajudo agora? Pedi desculpas e disse que estava nervosa com tudo aquilo e com o peso que tinha sido colocado em minhas costas. "Sêo" Danilo aproveitou para desenvolver o tema um pouco mais.

"O que aconteceu ontem na estrada foi um acidente, mas ao mesmo tempo foi simbólico. Ele fez a senhora carregar ele nas costas por quilômetros para lhe mostrar a responsabilidade que ia ser colocada em suas costas. Quando a senhora aceitou carregar ele, aceitou essa responsabilidade."

"Mas então ele forjou o acidente", eu fiquei atônita co a explicação dele.

"Sim e não", ele contestou, "ei intencionou criar uma situação que a obrigasse a ajudar ei, mas acho que não esperava que o cavalo fosse jogar ei na estrada. Agora se parar pra pensar que eis dominam os animais, não sei. Mas tem muito simbolismo nessa noite que a senhora passou carregando ei. Arthur torceu o tornozelo quando caiu, vai ficar um tempinho sem conseguir andar direito. Se era um teste, era um bem real e a senhora fez a única coisa que poderia fazer. Acho até que ei mesmo deve ter percebido que se a senhora visse aquilo como um teste e deixasse lá, não havia como ninguém saber onde ei estava até que pais dei aparecessem em sua casa procurando ei de verdade e a senhora percebesse que era real."

Citei a história do menino que gritava lobo e ele disse que conhecia como a do menino que gritava cobra. Que eram muitas variantes, mas que a história era sempre a mesma: alarmes falsos provocando uma fatalidade verdadeira mais dia menos dia.

A planta me fascinava. Achei que era o tipo de coisa que fascinaria um artesão. Era como artesanato surgido espontaneamente no meio da mata. O sertanejo olhava a planta sem muito detalhe; sua familiaridade com as plantas da região explicaria o desinteresse: não era a planta em si que representava algo. Mas algo que havia acontecido no lugar onde ela fica. A planta me fascinava, mas eu precisava tirar aqueles dois do inferno verde ou eles iam voltar mais comidos de mosquitos que o Johan Dalgas Frisch.

"A senhora se lembra de algo diferente que aconteceu quando vocês estavam passando por ali?"

"Lembro que o Andrés foi picado por uma formiga preta daquelas doloridas."

"Sei que tipo é, cabeçuda", ele disse, "mas não sei se isso é importante, pelo menos não parece. Que mais a senhora lembra do passeio?"

Contei o passeio a ele e ele ouviu com atenção, mas não abstraiu nada que pudesse ser útil. Chegamos à conclusão de que a solução do problema estava em eu pensar na solução do problema.

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