domingo, 24 de maio de 2009

Renegado

Os cavalos pararam em frente em minha porta. Olhei o relógio. Eram sete e quinze da manhã. Pelo som das pisadas, não eram menos que dois. Olhei pela janela de meu quarto. Lá embaixo, um cavalo preto e um palomino. Havia uma mochila imensa sobre o cavalo preto.

As pancadas na porta. cinco. É o Renan. Desço e o vejo parado no alpendre, a vontade de chorar escrita na cara. Perguntou se podia entrar e eu escancarei a porta. Ele colocou a mochila num canto da sala. Me disse que o pai o deserdou. Digo que não como o pai dele deserdá-lo, porque ele não vai morrer nunca. Ele disse que era pior nessas condições, já que ele deserdava em vida. Renan não tinha mais que as roupas e os cavalos com ele agora.

"Por que seu pai fez isso?"

"Ele acha que eu desgracei a família indo me humilhar na porta do Anderson… Além disso, eu nunca saí sem avisar e fiquei até tarde de noite sem dar notícias…"

"Você podia ser um pouco mais discreto, resolver isso num lugar um pouco mais afastado, lá isso podia, não?"

Ele ficou em silêncio. As lágrimas molhavam o rosto da criança. Uma criança sem chão para por os pés. Eu senti imensa pena de Renan, por mais sentimentos de violência que ele me inspirasse no dia a dia brutal de Taurinos.

"Eu não tenho para onde ir", ele disse, me olhando nos olhos, "o único lugar que eu consegui pensar para vir foi a sua casa."

"Fica aqui comigo um tempo. Não quero mais ver você como vi ontem à noite, no frio, na chuva. Eu quero conversar com os teus pais sobre isso."

Ele sorriu, em meio às lágrimas e prometeu tudo que eu quisesse.

"Olha, e muita disciplina com esse negócio de Polícia Obscura aqui dentro da minha casa. Se vamos morar juntos, mesmo que por um tempo, é melhor saber que vai ter de disciplinar isso. Fica aqui, mas pelas minhas regras."

Disciplinar a Polícia Obscura. Parece piada. Disciplinar o que não tem conserto. Nem nunca terá, disse o poeta.

"Você vai dormir aqui na sala por ora. Quando eu acordar, te ajudo a arrumar o quartinho do canto, do lado do meu. Vou tirar as bagunças de lá e arrumar no meu quarto. Quando a Meire se for, você muda para o quarto dela."

"Eu posso ficar no quartinho mesmo, o outro a senhora fica pra suas visitas", ele sorria de orelha a orelha.

"Depois se vê isso."

Quando acordamos e descemos para a sala, Meire viu o outro policial dormindo no meu sofá. Eu achei que teria de dizer que agora era um pouco mais… permanente.

"Outro anjinho?" e ela sorriu, conhecedora.

"Nossa, tá mesmo duro aguentar esses pestinhas me acordando todo santo dia cedo de manhã…"

Mais tarde, depois do almoço, Renan me trouxe convite da prefeitura para a Festa da Cidade no próximo sábado à noite. Uma homenagem da cidade à Sociedade Antiga dos Taurinos por tudo o que vivenciamos em prol da continuação da espécie taurinense. Às vezes eu me sentia como aqueles personagens de filmes clichê que descobrem que são adorados por alguma tribo milenar em um lugar remoto.

"A senhora é a que menos pode faltar", declarou Renan assim que eu manifestei minha falta de vontade em comparecer, "sem a senhora, nada aqui existiria."

Eu tive de rir. Meire me olhou, surpresa com minha reação, ao que parecia. "Bem-vinda a Taurinos", eu disse a ela. Ela teve que rir também.

Irmãos de armas | Dia de celebração

Rádio Universal: Polícia Obscura

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