sábado, 23 de maio de 2009

Irmãos de armas

Eram umas nove e quinze da noite quando "sêo" Danilo e Duílio passaram pela minha casa. O céu ameaçava chuva pela primeira vez em meses. Perguntaram se eu tinha visto Renan. O menino, segundo eles, tinha desaparecido. Eu disse que não tinha visto Renan desde a festa de seu aniversário. Eles estavam indo à cidade. Me disseram que era o único lugar onde ainda não tinham procurado. Pensei que era um exagero, mas eles me disseram que os Teixeira ligaram para todo mundo e agora o procuravam pelos limites da cidade.

"Eu vou com vocês", eu declarei, apesar da insistência dos dois para que eu ficasse em casa, "quero ajudar a procurar o menino também."

Eu disse que ele tinha ficado mal pela ausência do parceiro de cavalgadas. Eu perguntei se eles tinham notado. "Sêo" Danilo e Duílio apenas se entreolharam.

As nuvens se acumulavam, densas, grossas, tingindo o céu de um tom esbranquiçado, escondendo as estrelas. O carro avançava rápido pelas estradinhas de terra, subindo em direção ao centro da cidade. Não tínhamos ainda chegado quando os primeiros pingos começaram a cair, grossos para o mês de maio, quando a estiagem começa a querer dar o ar da graça.

A chuva desabou antes da entrada da cidade. Grossa, definitiva. Querendo molhar. O limpador de parabrisas funcionava freneticamente. Ninguém nas ruas. Já deviam ser quase dez horas. Quem em Taurinos ficaria nas ruas além das nove? Debaixo de uma chuva daquelas?

Renan. Quem mais em Taurinos ficaria nas ruas naquela noite?

Na praça principal, em frente à loja de ferragens de Anderson, a pequena figura do policial debaixo de um dilúvio universal, molhado até os ossos, tremendo de frio.

"Ele está separando a gente! Você tá deixando, Anderson! Eu lembro bem, ele…", e ele olhou o carro se aproximando dele e se calou. "Sêo" Danilo abriu sua janela e o chamou para dentro. Ele tinha aparentemente vindo a pé.

"Vão embora! Digam aos meus pais que eu vou ficar aqui!"

Não sei dizer porque, a cena, somada ao que vi ontem em seu aniversário, me tocou. Havia uma melancolia naquela vitória de Renan que era inexplicável. Um sabor amargo das coisas que ficaram por fazer. Engraçado, agora me toco de que todo o tempo em que escrevi sobre essa comunidade, poucas vezes utilizei a palavra "amor". E mesmo assim, num sentido violento.

Para resumir a história, Anderson acabou aparecendo na janela. Tinha ouvido tudo. Negou que fosse efeito de qualquer praga, mas de onde estávamos, não pareceu muito convicto do que estava falando. Disse que eles seriam eternamente irmãos de armas. Que seriam eternamente irmãos na Sociedade Antiga dos Taurinos. E só. Para resumir a história, foi uma dificuldade imensa trazer o Renan todo molhado para dentro do carro. Duílio tinha cara de quem preferia estar dormindo quando pediu meu celular para ligar para os Teixeiras avisando do avistamento. Eu gostaria de estar dormindo também. "Sêo" Danilo já estava.

Infeliz aniversário | Renegado

Rádio Universal: Polícia Obscura

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