sábado, 27 de junho de 2009

Pernilongo

Os policiais retornaram de Varginha no final da tarde. Anderson foi direto para sua casa com seu pai assim que chegaram. Acomodei Renan no quarto. Ele parecia melhor depois da visita ao médico, mas não muito melhor.

Perguntei a ele se poderia passar sem mim por umas duas horas. Eu iria jantar na fazenda Taurinos, mas não era um jantar apenas. Os outros membros da Sociedade Antiga dos Taurinos, incluindo "sêo" Danilo, estariam vindo para discutir a Polícia Obscura e o mais recente acontecimento. A notícia já tinha ganhado a cidade, todos estavam apreensivos com o que acontecia com os dois.

"O que vão conversar sobre a gente?", ele parecia febril por saber o que se discutiria. Fez menção de levantar e ir comigo. Eu disse a ele que desistisse. Que Anderson não iria estar presente tampouco. Ele disse que era errado discutir sobre eles sem que eles estivessem presentes.

"Lembra de quando vocês condenaram Andrés à morte por causa do fracasso da cerimônia? Ele estava presente? Não e ele estava sendo julgado. Você nem isso. O que a gente quer fazer é discutir como ajudar vocês."

"Não tem o que fazer com a gente. Anderson agora é meu inimigo. Eu agora trabalho com meu inimigo. Quando eu prefiro que o meu melhor amigo fique calado e não diga as coisas horríveis que ele me diz o tempo todo, as coisas não podem mesmo estar indo bem. A gente vai ficar assim para sempre e quando os entrantes começarem a chegar não vai ter ninguém para defender a cidade. Se a senhora acha Taurinos um inferno agora, não vai querer ver quando isso começar a acontecer."

Hoje já não sei se voltar a esta cidade e não ao meu corpo de origem foi a decisão certa. Mas, tivesse eu voltado ao meu corpo lá na Santa Casa de Santos e morrido do modo "natural", não viria eu para esta cidade de qualquer maneira? Não passaria eu por tudo isso que agora estou passando e venho passando desde fevereiro? Como poderia eu saber? Eu jamais poderia saber.

Se há uma diferença entre os adultos e as crianças neste município mineiro é apenas que as crianças têm consciência de que estão no inferno, enquanto os adultos geralmente preferem ignorar isso.

Eu acabei pegando Renan no colo e o levando à Taurinos. Todos presentes, Adriano, Andrés, Arthur, Bruno, Guilherme, "sêo" Danilo. Só faltava eu, Anderson (que não viria) e Renan (que se supunha que não viria). Todos se espantaram de vê-lo por lá, considerando as notícias que ganharam a cidade. Ele jantou conosco, mas comeu pouco, causando espanto à dona da casa, "D. Stella, esse menino está comendo como um passarinho, eu nunca tinha visto ei assim".

"Essa briga do Anderson e dele está acabando com os dois, Aparecida."

No alpendre, quando os donos da casa já tinham se recolhido ao seu quarto, iniciamos a reunião. Eu sabia que a pauta era o problema de saúde dos dois policiais. Mas poderia haver surpresas. A gente só sabe que pode esperar o inesperado nesta cidade de Taurinos.

"Já que o irmão Renan está presente, eu gostaria de perguntar a ele se avisou ao Anderson com antecedência sobre o que ele teria de fazer durante a Iniciação na Polícia Obscura", perguntou o irmão biológico do policial logo na abertura.

"Sim. Ele não teria tido tempo de construir a impaladora mecânica se eu não tivesse explicado tudo a ele com antecedência."

"Por que a Iniciação dele foi diferente da sua?", acrescentou Bruno.

"A pergunta é "se" e não "por que" a Iniciação dele foi diferente da minha. Quem lhe disse que a Iniciação dele foi diferente da minha? O que você sabe da minha Iniciação para me perguntar isso, Bruno?"

Bruno ficou calado, sem ter resposta. Houve uma pausa grande e pensativa. Renan quase desfaleceu ao usar o tanto de energia que usou para questionar o amigo.

"O que vocês viram o Anderson fazer no topo da montanha eu fiz sozinho no mesmo lugar. Ninguém em redor. Foi acontecendo, acontecendo e eu vi como era que o poder dominava a pessoa como um instrumento e fazia aquele efeito."

"Não havia um outro modo de você trazer o irmão Anderson para o trabalho? Você sabe, aquela reunião no Mithraeum, ele não deve ter engolido aquilo até hoje", era Arthur quem falava agora.

Renan olhou bruscamente para ele e em redor.

"Ei, eu estou sendo julgado, é isso?"

"Sêo" Danilo o tranquilizou, "ninguém está sendo julgado aqui, "sêo" Renan, só queremos entender o que está criando essa zanga entre vocês dois. Vai ser melhor para todos se a gente conseguir entender isso e fazer alguma coisa para ajudar."

"Ajudar, como? Como vão mudar os sentimentos dele?", ele perguntou virando os olhos para o velho sertanejo.

"E os seus sentimentos? Quais são?", perguntou Adriano.

Renan pareceu confuso, olhando o Conselheiro por um longo período de tempo. Depois, me pareceu que ele entrava nas intenções do irmão mais velho de Andrés.

"O que você quer dizer com isso, Adriano?"

"O que você sente pelo Anderson?"

Você poderia ouvir o coração de um pernilongo batendo dentro do silêncio que se seguiu. Eu disse a Renan que ele não precisava responder àquela pergunta se não quisesse. Adriano me questionou, "acho normal perguntar, só se fala nos sentimentos do Anderson, mas eles são dois. No dia do aniversário dele, só cuidava de saber por onde andava o Anderson. Foi no dia seguinte até a loja de ferragens atrás dele outra vez e acabou até sendo expulso de casa por causa disso. Eu não deveria perguntar? Você gosta do Anderson, Renan?"

Os meninos estavam sérios como eu nunca os tinha visto. Ouvimos o coração do pernilongo batendo novamente. Foi uma vibração que estremeceu ligeiramente o ar: tinnitus. Não era então o coração do pernilongo. Perguntei a eles se estavam ouvindo. Uma discussão se iniciou sobre o que poderia ser. Andrés permaneceu calado durante a discussão, olhando alternadamente para mim e para Renan. Renan olhou para mim de modo estranho. Não que fosse alguma novidade ele me olhar assim, mas dentro do assunto que se tratava me pareceu densamente significativo que ele me olhasse assim.

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