quarta-feira, 13 de maio de 2009

Noite e dia

Anderson ligou para mim hoje de manhã. Ao chegar à fazenda Taurinos para fazer o café, Andrés me disse ter recebido a mesma ligação, "É, o Renan detonou mesmo a loja dele, não? Anderson está bem puto. Mas eu não sei se dou mais razão a ele do que ao Renan, não. Agora, o modo do Renan fazer as coisas é que precisava discutir, mas vou eu falar, o mundo cai.", ele acrescentou.

Aconteceu que Anderson ligou para marcar reunião no Mithraeum à tarde. Ele sugeriu que "sêo" Danilo tomasse o lugar de Adriano, já que este último ainda estava hospitalizado. Andrés disse que talvez nem "sêo" Danilo viesse (ele estava em Varginha justamente visitando Adriano no hospital), mas que já sabia a posição do irmão. Nem eu vi qualquer empecilho para a reunião. Renan foi o último a ser convocado. Ele ligou logo em seguida ao telefonema. Sempre que se convoca reunião do Conselho da Sociedade Antiga dos Taurinos, o telefone toca descabelado por aqui, todos os Taurinos ligam. O policial foi o último a ligar.

"O que vocês acham que o Anderson quer com essa reunião?"

"Você está preocupado? Não tratou a propriedade dele como um vidro, exatamente", respondeu Andrés.

"Não, não, preocupado nada, só fiquei curioso", respondeu a vozinha do outro lado.

Andrés me contou essa conversa com Renan piscando matreiramente, "ele já percebeu que deu mais encrenca do que ele imaginava. Anderson nunca convocou uma reunião do Conselho antes. Renan não devia estar esperando por essa."

Renan iria se defender atacando, se fosse o que eu imaginava. Acreditava que ele iria querer virar a reunião contra Anderson para cobrar a participação dele na Polícia Obscura. Andrés disse que não tinha parado para pensar nisso, mas que isso era uma possibilidade bem real.

"Renan é liso, bem capaz mesmo dele vir com isso", ele concordou.

Três horas da tarde e mesmo "sêo" Danilo compareceria à reunião representando Adriano. Eu o tinha localizado a tempo, de carona com Duílio até a cidade e no caminho do Mithraeum, o coloquei a par do que vinha acontecendo, senão na cidade (as coisas aqui não demoram a se espalhar, como fogo em floresta) pelo menos os acontecimentos de quarta de madrugada no descampado e ontem de manhã em minha casa. O sertanejo arregalou olhos grandes para mim e disse que eu era louca. Foi a primeira vez que me disse algo assim tão sem temperança. Só para me dar uma idéia de com que eu estava lidando. É, passei minha vida brincando com fogo e pelo jeito vou passar a Eternidade também.

"Já não bastava convidar ele à noite? Ainda ficou no caminho dele num descampado? E ainda abriu os olhos no meio da noite para ver a figura dele na sua frente, cada vez mais sólida. A senhora parece que perdeu o juízo, "sá" Stella!"

Eu disse a ele que não subscrevia essas lendas e crendices, queria ver por mim mesma. "Sêo" Danilo pareceu impaciente. Disse que teve dó de Adriano ao vê-lo num leito de hospital. E isso considerando que ele está muito melhor agora. Perguntou o que mais eu precisava ver para aprender que não existiam lendas e crendices em Taurinos. Apenas uma realidade mágica e aleatória como qualquer sonho que se tem. Engraçado como o que ele diz de certo modo ecoa as palavras do policial para mim ontem no café da manhã. Pensei na terrina de pão de queijo. Dos dez pães que havia sobraram dez (e Renan sozinho comeu uns cinco). Como poderia ser possível fora da realidade no modo onírico que eles tentavam me descrever?

São quatro horas. O Mithraeum, templo máximo dos mitraístas daqui, estava completo com o Conselho. Guilherme estava sério, procurando se situar dentro da conversa; parecia nervoso pelo pouco de informação que tinha sobre o assunto mesmo sendo irmão do policial e morando com ele. Bruno estava acordado, olhos cheios de curiosidade para com os eventos em redor e Arthur também, dois que havia algum tempo não encontrávamos. Anderson sentou-se afastado, mas não de todo. "Sêo" Danilo e eu nos sentamos perto para poder trocar impressões (se bem que sabíamos que não poderíamos conversar muito entre nós).

Andrés dirigia os trabalhos nesta tarde. Explicou aos dois, Anderson e Renan, que qualquer desacato a qualquer membro do Conselho redundaria na anulação daquela reunião. Explicou que "qualquer membro do Conselho" também se referia aos dois, por motivos óbvios.

"Os nossos irmãos Renan e Anderson concordam em se dirigir com civilidade a qualquer membro do Conselho, evitando assim que suas reclamações deixem de ser levadas em consideração por este Conselho.", concluiu o Oficiante.

"Onde está o livro?", perguntou Renan, lançando um olhar para Bruno, assim que aceitou os termos.

Bruno bateu na testa.

"Grande Mitra, esqueci, está em minha casa, era minha vez de trazer!", o garoto estava sem-graça com sua negligência.

"Não faz mal", assegurou o Oficiante, "ele vai registrar tudo de qualquer modo, aqui ou lá."

O Oficiante disse que Anderson tinha convocado a reunião e iria falar primeiro. Depois falariam os membros do Conselho que quisessem falar. Para se inscrever, teriam de erguer o braço. Nenhum aparte seria permitido durante a exposição principal dos membros. Depois que todos aceitamos os termos da reunião, Anderson começou a falar.

"Nossa loja é uma das poucas atividades que eu e meu pai temos para garantir nosso sustento", ele disse olhando para todos ao redor sem exceção, "todos me conhecem como o ferreiro da cidade, isso não é novidade para ninguém. Indo direto ao assunto, nossa loja de ferragens no centro da cidade foi atacada pelo Agente na segunda-feira. Eu quero dizer que entendo os motivos do Agente para me procurar, entendo que ele esteja cansado de me procurar mas não entendo porque destruir alguma coisa que eu e meu pai lutamos com sacrifício para conseguir. Se o Agente quer atingir a alguém, que atinja a mim sozinho. Meu pai lutou com dificuldade para termos o pouco que temos e não merecia começar uma semana de trabalho varrendo os cacos de vidro de uma vitrine que foi um custo enorme para ele durante muito tempo e o fez trabalhar muito mais do que deveria para que nós pudéssemos ter instalações melhores para prestar melhores serviços para nossos fregueses que são vocês, o povo de Taurinos. Ouvi meu pai dizer que o Agente explicou a ele que os prejuízos vão ser pagos pelo "sêo" Teixeira. Não se trata só dos prejuízos materiais. "Sêo" Teixeira não vai pagar a conta do desgosto que meu pai sentiu tendo que varrer seu trabalho de anos todo destruído, transformado em cacos no meio da calçada."

De onde estávamos eu e "sêo" Danilo era fácil de ver um brilho no rosto de Anderson que ia descendo pela face dele, iluminado pela luz soturna do Mithraeum. Silêncio. Só se ouviam os exaustores e ventiladores funcionando. Rostos sérios, ninguém se atrevia a entrar com um comentário. Olhei para Renan e ele estava sério como nunca o vi numa reunião do Conselho. Nem mesmo quando o Grande Um ameaçava a cidade com a Lei dos Touros pude vê-lo tão circunspecto. O discurso de Anderson foi duro mas emotivo. Visava convencer pela descrição das dificuldades que se impunham à vida de um trabalhador e convenceram a mim. Foram palavras que me calaram fundo, mesmo eu sabendo que ele iria adotar essa linha de pensamento para expor suas idéias sobre a ação de Renan. O problema não residia no fato de Renan ter sido duro com ele, Anderson. Mas ter sido duríssimo com seu pai, que nada tinha a ver com a história. Os pais daqui, aprendi bem cedo, pouca conta podem dar do comportamento dos filhos menores. As crianças sempre dominaram a cidade, como o próprio "sêo" Danilo um dia me falou em sua casa, referindo-se ao tempo em que foi ele mesmo um dos sete lidadores da cerimônia durante a sua Lei dos Touros. Não havia agora como enfiar o pai do menino na história. Ele não podia participar das decisões, mas teria de pagar por todas elas? Mas vejo que esta reunião vai ser um espeto para ambos os meninos, isto eu podia dizer com certeza.

O Oficiante perguntou se Anderson tinha algo mais a dizer. Ele enxugou o rosto e disse que só queria pedir a Renan que voltasse suas baterias contra ele e ninguém mais, "isso é entre eu e você", ele fungou, "sou eu quem você quer, Renan; deixe o meu pai e tudo o que tem a ver com ele de lado."

O policial ouviu tudo calado. Em dado momento, chegou a engolir em seco. Até o momento presente, um perfeito cavalheiro durante a reunião. Mentalmente parecia se preparar para se contrapor de algum modo, era fácil de ver que ele sentia um círculo se fechando em torno dele. Ele mesmo parecia ter sido atingido em cheio pelo apelo emocionado do amigo. Pensei ter visto seu lábio inferior tremer durante a explanação de Anderson, mas poderia ter sido a minha mente me pregando peças?

O Oficiante certificou-se de que Anderson tinha dito tudo o que tinha a dizer e avisou Renan que o ferreiro não era o único que iria apresentar uma queixa na reunião. Guilherme e Renan olharam para ele; Anderson, Bruno e Arthur para mim. Aparentemente nossas aventuras noturnas já tinham dado a volta na cidade, mas era difícil de dizer naquele momento. "Sêo" Danilo levantou a mão e disse que queria falar por Adriano. O Oficiante concedeu-lhe permissão e ele se levantou. O Oficiante disse a ele que a permissão não se estendia a ficar em pé. Ele se desculpou com um sorriso, se sentou de volta e começou.

"Não é mais novidade para ninguém em Taurinos que no momento Adriano está preso num leito de hospital em Varginha", o velho sertanejo disse, "porque ele sofreu mais uma vez pela ingenuidade dele em contar as histórias dessa região. Isso num momento especial da vida desta cidade, onde se achava que nada mais deveria continuar obscuro para ninguém", eu vi Renan se retorcendo todo, louco para falar à simples menção da palavra "obscuro", e vi o Oficiante esticando o pescoço, mentalmente se preparando para intervir ao menor sinal de insubordinação do policial, "entendo que o policial não goste do apelido que foi colocado pelo "sêo" Anderson, mas nada justifica o que eu vi naquele leito de hospital. "Sá" Aparecida me disse que ele estava bem melhor agora. Penso que tive sorte em não ter visto "sêo" Adriano antes então. Eu tive vontade de chorar pelo estado do menino. Por isso eu peço ao Conselho, em nome de "sêo" Adriano, que "sêo" Renan justifique o porque de tanto ódio por um apelido que foi criado para descrever tão bem o que acontece dentro da noite no limite de município entre Taurinos e Varginha. Apenas dizer que alguém tem um apelido não pode ser causa de tamanho sofrimento. O policial pode achar certo o que fez com Adriano, mas mesmo que ele mereça de verdade tudo isso que ele está passando, está punindo também a mãe dele, que nada teve ou tem a ver com isso. Está punindo o pai, "sêo" Duílio, que está vivendo sem o convívio de metade de sua família por duas longas semanas. Na Constituição brasileira há um artigo que diz claramente que "…a pena não será estendida além do penalizado". Por favor, peço a este Conselho que não aceite que ele diga que todo o sofrimento desta família está acontecendo por motivo nenhum. Que este Conselho não aceite que ele diga pra gente que todo o sofrimento da família da Dica aconteceu por motivo nenhum."

Renan engoliu em seco novamente. Era difícil saber o quanto de chumbo ele esperava realmente, mas era evidente que não era aquele tanto que ele estava recebendo. O Oficiante novamente certificou-se de que "sêo" Danilo tinha dito tudo o que tinha a dizer e passou a falar por si. Descreveu a noite no descampado e o aparecimento do Agente atrás de nós e mais que isso, sua permanência no local e seu posicionamento na nossa frente. Guilherme olhava incrédulo para o irmão. Bruno parecia arrepiado dos pés à cabeça. "Sêo" Danilo só fazia sacudir a sua cabeça, sem entender nada de toda aquela loucura. Arthur olhava para Renan como se perscrutasse o amiguinho por dentro.

"Entendo que o policial precisa de energia. Mas entendo também que todo e qualquer taurinense tem direito a sair à noite e contemplar o céu sem medo de que uma força que existe na cidade para proteger a cidade e seus cidadãos ameace sua integridade física e moral. No meu caso, as duas foram ameaçadas. O medo que eu senti foi a causa de um sangramento no nariz que ficou em mim por bem uns dois dias. No caso de D. Stella, a integridade moral, o pavor que ela sentiu, embora ela tenha colaborado significativamente para isso."

Levantei a mão para me inscrever. O Oficiante disse que eu podia falar. Brevemente disse a eles que abri meus olhos para olhar para o Agente por livre e espontânea vontade. Descrevi a imagem que ficou colada em minha retina e que me perseguia por toda a parte, da figura como um pato negro imenso que me assustava ainda cada vez que eu visitava o alpendre.

"Não descrevo essas coisas em agravo ao irmão Renan", eu disse, olhando para ele, "eu descrevo essas coisas para que nós tenhamos uma idéia sólida do poder que existe dentro dele e de outras forças que agem sobre esta cidade, das quais nem suspeitamos que existam, além de todas que já identificamos. Quero pedir a Renan que explique o porque do ódio pelo apelido, no entanto. Ele deve justificar claramente diante deste Conselho porque tanta agressividade cerca esse apelido. É o mínimo que ele pode fazer pelas pessoas que ele agrediu fisica e moralmente. Devo dizer que ele me visitou a caminho do trabalho, mas mais uma vez, esse foi um acordo que fiz com ele também por minha livre e espontânea vontade. Só que isso não inclui a noite inteira em que ele torturou Adriano e a mim por causa do apelido."

Pausa. O Oficiante me perguntou, em meio ao silêncio geral se eu tinha algo a acrescentar. Renan respirava entrecortado, ofegante de seu assento, olhando para mim, aparentemente confuso, perdido entre minha defesa e meu ataque. Eu disse que para o momento era o que eu tinha a dizer. O Oficiante disse que Renan era o próximo a falar, se ninguém mais se inscrevesse. Ficou por alguns instantes esperando que alguém mais se manifestasse. Perguntou a Guilherme, Bruno e Arthur se concordavam com o requerimento de explicações por parte do policial. Eles concordaram. O Oficiante passou a palavra a Renan. Era evidente que ele lutava para descobrir o que fazer com a palavra que acabava de lhe ser dada.

"Irmãos do Conselho", ele limpou a garganta ruidosamente, trazendo o Conselho nos olhos, "todos em Taurinos sabem que não sou pessoa de belas palavras. Sou de falar menos e fazer mais desde que nasci e foi por isso que resolvi defender nossa cidade pacata dos ladrões de gado que apareceram aqui e depois de qualquer ameaça que viesse de fora. Eu não sabia o que podia acontecer comigo — conseguir esse poder e ficar amarrado nesse trabalho para sempre — mas agora eu sei que é pra valer. E pra sempre."

Anderson parecia tenso. Esperava por sua dose de chumbo ele mesmo. Via o amiguinho construir sua defesa lentamente e sabia que embora não fosse "pessoa de belas palavras", Renan saberia defender seus pontos de vista.

"Não é segredo para ninguém, do mesmo modo, que as armas que usei para nos livrar dos ladrões de gado pertenciam a Anderson. Ele me emprestou as armas por sua própria vontade e de primeira. Eu não precisei insistir."

Bruno, Guilherme, Arthur e "sêo" Danilo volveram, em turnos, seus olhos para o ferreiro; este percebeu os olhares mas não devolveu um só que fosse. Toda a sua atenção estava voltada para o policial.

"Anderson criou este apelido para mim, mas nunca me disse porque. Entendi que ele era uma desfeita para mim, pelo modo como o poder me dominou, mas não dominou a ele. Era como se ele fosse resistente ao poder, coisa que eu não pude ser. Era como se ele dissesse, sem ser direto, que eu queria ter tido aquele poder e o consegui. O apelido se espalhou rápido pela cidade. Como eu era daquele jeito quando saía a noite para patrulhar a cidade, não demorou pra que as pessoas começassem a me chamar pelo apelido que ele criou. Me doeu e me dói com a mesma força até hoje ver que o meu melhor amigo se escondeu e ainda por cima, de desaforo puro me colocou esse apelido, justamente ele, que devia se juntar comigo e fazer esse trabalho também.", explanou Renan encarando Anderson e sustentando o olhar desafiador.

Anderson fitava o amigo, desesperado e sacudia a cabeça como que tentando mudamente negar tudo aquilo, amarrado às regras da reunião, até que não conseguiu mais se segurar, "isso não é verdade, eu não criei o apelido para…"

"Irmão Anderson, você está violando as regras desta reunião", interrompeu o Oficiante, bruscamente, com um olhar severo, "peço a você que a conduta do irmão Renan, que ouviu a todos sem nenhuma manifestação e só falou quando lhe foi passada a palavra lhe sirva como exemplo de disciplina."

O ferreiro se calou, envergonhado. Vi claramente o meio sorriso esboçado por Renan, que permaneceu discreto ao ouvir a reprimenda a Anderson. O jovem ferreiro estava sob pressão. Sabia que ele era o alvo desta reunião mais que Renan. Se não esta, uma outra. Mal sabia ele que desse modo só fazia prolongar sua agonia lenta e extremamente estressante e dolorosa. Renan sabia que tinha muito mais a perder que ele nesta reunião. E sabia que teria de se livrar dos anéis para conservar seus dedos.

"Se o irmão Renan não tem nada a acrescentar a esta explicação, poderíamos, com o consentimento deste Conselho, passar a palavra de volta para Anderson", atalhou o Oficiante.

"Por enquanto é isso", disse Renan voltando os olhos para o Oficiante. Eu esperava para ver se Renan usaria o mesmo vocativo, "irmão", para se dirigir ao Oficiante. Meu palpite era de que ele não o faria, mesmo que fosse para obedecer a uma formalidade.

"Irmãos, é verdade o que o irmão Renan diz quando ele afirma que eu nunca contei a ele o porque do apelido. Eu errei com meu amigo; ele merecia e merece saber o porque. Eu errei com Renan tendo que ser questionado em uma reunião do Conselho da Sociedade Antiga dos Taurinos para lhe dizer porque criei o apelido. Não foi nada sério demais, mas não o criei por brincadeira. Eu queria descrever a força que ele tinha conseguido da noite desta cidade para proteger a população. Queria descrever o mistério da própria profissão e da própria condição em que ele estava para exercer essa profissão. Quero dizer que criei o apelido porque não tive coragem de fazer como ele e me lançar no mundo onde ele se lança quase todas as noites aqui em Taurinos. Eu criei este apelido como uma homenagem, não porque ele é meu amigo, mas como uma homenagem a alguém que teve a coragem e a iniciativa de fazer o que eu nunca ousei fazer e deveria ter feito."

O Conselho, embora não afetasse indiferença, não pareceu totalmente comovido pela explicação, mas Renan estranhamente sim. Sendo ele o mais prejudicado dentro de seu próprio ponto de vista, era de esperar que fosse o contrário. Isso me deu a idéia do quanto ele queria acreditar em Anderson. Do quanto ainda tinha esperança que o amigo mais velho se juntasse a ele.

"Quero propor ao Conselho que consultemos o irmão Renan sobre se ele aceita esta explicação e em caso positivo propor que seja este, a partir de hoje, o nome desta instituição que existe para proteger a nossa cidade", sugeriu o Oficiante, obtendo do Conselho o consentimento, "com a palavra, o irmão Renan."

"Eu aceito a explicação dele, irmãos", ele voltou os olhos para o ferreiro, que se pudesse desapareceria de tão envergonhado, "eu aceito o apelido e que o nome oficial sejam esse." E Renan mostrou as duas mãos abertas, como eu já tinha visto o Oficiante fazer um dia, o que demonstrava honestidade dentro da comunidade taurinense.

Olhei significativamente para "sêo" Danilo. Renan estava vencendo a queda de braço com Anderson. Aceitava tudo, flexível e comportado como nunca tinha sido visto pela comunidade, e em breve não seria mais ele o cabeça-dura e sim Anderson. Guilherme só tinha olhos de espanto para com o irmão, incapaz de acreditar no que seus ouvidos insistiam em lhe mostrar. A selvageria com o apelido se tornando em pura candura. Pura aquiescência, boa vontade.

Renan se submeteu a tudo proposto na reunião. Segundo proposta de "sêo" Danilo, prestaria uma semana de serviços, varrendo a loja de ferragens e ajudando em todas as outras tarefas necessárias, sem prejuízo do pagamento da vitrine pela sua família. Bruno sugeriu que ele usasse um distintivo com o nome da corporação em seu uniforme, distintivo que teria de ser fabricado pelo mesmo criador do nome. As proposições encontraram mais resistência por parte de Anderson que de Renan, que chegou a pedir ao amigo que efetivamente criasse o distintivo. Arthur sugeriu que Renan se desculpasse oficialmente, em nome da Polícia Obscura, olho no olho com todos aqueles prejudicados por usar o nome da instituição enquanto ele ainda era considerado um insulto pelo policial, no que foi entusiastiamente apoiado por "sêo" Danilo. Renan aceitou imediatamente. O Oficiante propôs regras para as cavalgadas noturnas, mais precisamente não parar perto de cidadãos de Taurinos enquanto o policial estivesse de serviço. Renan acatou a sugestão imediata e incondicionalmente.

Anderson estava assombrado. Humilhado como fora, Renan era o vitorioso daquela rodada. O jovem policial tinha conseguido virar a mesa por cima de Anderson, tinha conseguido usar a reunião convocada pelo próprio Anderson para reafirmar de maneira definitiva o quanto o ferreiro fugia de seu dever para com a comunidade. Só restava a Anderson agora o papel de desobediente, recusando-se a ajudar a comunidade em sua segurança, como ele deveria. O Oficiante passou a palavra a ele, mas o pobre garoto estava confuso demais para falar qualquer coisa. Perguntando aos demais se algo havia ainda a se acrescentar e não recebendo resposta, o Oficiante deu a reunião por encerrada.

Anderson ainda teve de aguentar Andrés dizendo a ele (em particular, mas consegui ouvir claramente), "rapaz, mas um menino novinho daquele te fez de gato e sapato na reunião… E você não tinha começado mal, hein?"

Três idéias | O garoto com a pedra no sapato

Rádio Universal: Polícia Obscura

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