sexta-feira, 22 de maio de 2009

Infeliz aniversário

Não eram sete horas quando os Conselheiros entraram no carro de Duílio para ir à festa de aniversário de Renan na fazenda Teixeira. Os meninos colocaram no carro os presentes para Renan. Eles todos tinham passado o dia em Varginha fazendo compras para encher a despensa e tinham aproveitado para comprar os presentes. Aparecida foi a que mais demorou para sair.

"Sêo" Danilo apareceu em casa para ir à festa também e ficou conhecendo a Meire. Simpatizaram de cara, conversando sobre todo e qualquer assunto com fluidez desusada. Esperávamos por Duílio, que tinha ido levar a família para a fazenda Teixeira. Seriam duas viagens para Duílio, já que não cabíamos todos no carro. O carro era espaçoso, mas nem tanto.

Adriano acabou vindo nos buscar em vez do pai. Presumi que ele tivesse enchido a paciência de Duílio até que o pai lhe emprestasse o carro. Adriano vinha dirigindo e dizendo que Renan adorou os presentes. Que a festa estava realmente animada, muita gente da cidade, música alta, uma dupla de calango e tudo. Perguntei se Anderson estava lá. Ele disse que até a hora em que tinha saído de lá para vir nos buscar, não havia sinal dele nas proximidades da fazenda.

Fiquei preocupada. Não tinha notícias de Anderson desde a hora do café da manhã de ontem, mas se fosse pensar, que notícias eu tinha de Arthur ou Bruno desde o dia do ritual? Era estranho pensar que numa cidade tão minúscula eu passasse tanto tempo sem ver as pessoas que conhecia e com as quais tinha tido relação de amizade, senão profunda, pelo menos a da vivência juntos em tantas situações que já nem dedos mais tenho para contar. Eu pensava em Bruno também, em como estaria vivendo nossa nova realidade em Taurinos, ele que foi o primeiro a perceber a encrenca em que tínhamos nos metido. Amigos ou inimigos, estávamos todos no mesmo barco, pensei.

Adriano não tinha mentido. A festa estava realmente animada na fazenda. Renan estava nos esperando na porteira da fazenda. Não precisei olhar muito tempo para perceber que ele esperava outra pessoa. Ele não deixou de sorrir para nós para nos receber, nos abraçar pela chegada, incrivelmente bom anfitrião, mas não deixei de notar que seu olhar se perdia na estrada, mais além, na esperança de uma luz de farol que denunciasse a chegada de alguém mais. O ferreiro. Seu parceiro de cavalgadas noturnas.

"Vocês viram o Anderson? Deixei recado com o pai dele, mas não o vejo desde anteontem…", o menino disse, assim que se desvencilhou dos cumprimentos formais aos recém-chegados.

Eu disse que Anderson tinha estado em casa, tomando café comigo e com a Meire, mas que não o via desde ontem de manhã. Ele pareceu preocupado e desanimado. Pediu meu celular, ligou para o sítio de Anderson, mas ninguém atendeu a chamada. Nada no andar superior da loja de ferragens.

E assim, ele passou a festa. Recebendo gente, presentes, sorrindo, voltando repetidas vezes à porteira da fazenda para olhar a estrada. Era óbvio para mim que o presente que ele mais queria não viria. As horas passavam e nada do ferreiro nem seu pai aparecerem. Eu estava conversando com Adriano, meio conversando, meio observando o policial. Até que ele veio falar conosco.

"Vocês não querem me levar até a cidade? Ir até a loja do Anderson, ver se ele vem?"

"Eu posso te levar, mas acho que você devia sossegar. Ele pelo jeito não vai vir, Renan", disse Adriano.

"Curte a tua festa, garoto. Você passou a noite até agora sem curtir um minuto, só preocupado com o Anderson", eu tentei dissuadir o menino. Ele não conseguiu controlar uma lágrima.

"Por que ele não vem? Por que ele não vem?"

"Ele está com raiva de você por causa do ritual, Renan", eu expliquei, "ele veio em casa e tentou me agredir ontem de manhã", acrescentei, fazendo Renan e Adriano arregalarem os olhos.

"Como assim??? Por que???", perguntou o policial.

"Ele acha que eu você e a Meire nos juntamos para apressar a entrada dele na Polícia Obscura. Em poucas palavras, é isso."

"Mas ele ia ter que entrar de qualquer… Porra, espera… Grande Mitra… foi aquele desgraçado… foi aquele desgraçado…"

"De quem você está falando, Renan???", Adriano estava estupefato.

"O filho de uma puta que rogou aquela praga em cima de nós! Ele disse que nós íamos nos separar! Ele disse isso, vocês não ouviram???", o menino era só nervosismo e agitação.

"Em alto e bom som. Mas, olha, Renan, não leva isso a sério… Você também amaldiçoaria alguém que estivesse fazendo aquilo com você. Palavras o vento leva, amigão", Adriano tentou consolar o policial. Eu fiquei em silêncio, pensando no que dizer. Se deveria dizer algo. Nem me atreveria a desfiar para ele a história do verdadeiro Jacques DeMolay. Só serviria para encher ainda mais a sua cabeça de minhocas.

Fomos juntos à cidade, apesar dos protestos de Donana e "sêo" Octávio. Como iria ela explicar aos presentes que o aniversariante tinha saído de sua própria festa antes de apagar suas velinhas de um eterno décimo aniversário de vida?

Ninguém na cidade, nem no andar de cima da loja de Anderson. Se havia alguém lá ou no sítio, manteve as luzes apagadas e não atendeu a porta ou a porteira. Ninguém. Por um momento lá nesses lugares, era como se Anderson nunca tivesse existido. Retornamos, e foi duro ver Renan ter todos ao seu redor cantando parabéns e ter que soprar as velinhas sem o presente que ele mais esperava. Me espantou ver o estoicismo dele, seu cavalheirismo, procurando com tanto esforço não deixar que isso estragasse sua festa para os convidados. Não me lembrava em vida ou em morte de um aniversário tão triste para o dono da festa. Eu fiquei triste pelo menino. As conversas animadas de Andrés e os outros meninos não me faziam rir. Certo era que o dono da festa é geralmente o que menos se divertia, mas aquilo que presenciei chegava a ser exagero. Ele não conseguia mais disfarçar a sua tristeza. Os pais, os amigos, os convidados chegavam perto, perguntavam o que acontecia num dia que deveria ser tão feliz para ele. Ele nunca disse a ninguém o que acontecia. Eu e Adriano sabíamos, mas manteríamos o segredo dele para sempre.

Mal nenhum | Irmãos de armas

Rádio Universal: Polícia Obscura

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