sexta-feira, 8 de maio de 2009

Cromo

Ontem nem mexi no computador. Passei o dia dormindo, tendo pesadelos horrendos com a Polícia Obscura, fui acordar lá por umas seis horas da tarde. Ressaca pós-Polícia. Fui encontrar Andrés sentado no alpendre da Taurinos, com o nariz tamponado com algodão. Perguntei a ele o que tinha acontecido e ele me olhou enfurecido.

"Fica aí bancando a inocente, fica", ele rugiu mais calmamente do que de costume.

"Por causa de ontem de madrugada?"

"Que mais podia ser, tá me achando com cara de boxeador? Tá me tirando?" e ele fez menção de se levantar.

Levei algum tempo para acalmá-lo. Ele disse que como eu, passou o dia inteiro na cama. O pai estranhou, ele teve de contar a história e além do nariz sangrando teve de aguentar Duílio enchendo sua paciência.

"Por que não foi embora e me deixou lá sozinha?"

"A senhora tem de ser louquinha. Nunca vi ninguém querer fazer isso. Acha que eu ia sair andando e deixar a senhora lá no descampado com a Polícia a ponto de passar por onde a gente estava? De mais a mais, a gente perdeu tempo discutindo ali que poderia ter usado pra se afastar daquele lugar. Quando eu fosse levantar, ia dar de cara com ele e ia ser muito pior."

E depois, olhando sério para mim, "a senhora não abriu os olhos, abriu?"

"Não só abri como ergui os olhos para ver o Agente."

Ele esmurrou a palma da mão, como sempre fazia quando estava a ponto de explodir.

"Se a senhora continua assim, vou ter que arrumar uma psicóloga para a senhora!"

"Você é muito bom nisso. Não arrumou uma para você mesmo rapidinho?"

Ele baixou o tom. Aparentemente eu o tinha atingido em cheio em sua própria malandragem de menino do interior. Ele ficou me olhando nervoso, mas sem ter mais o que dizer. Mas não conseguiu resistir à tentação de me perguntar como era a aparência do Agente.

"Da próxima vez, abre o olho e vê", respondi displicentemente.

Mesmo assim, acabei descrevendo o Agente para ele, o mesmo formato de pato que eu já tinha visto. Acrescentei que a resolução dele era absurda, como eu via Andrés mesmo naquele momento.

"Você tinha razão", eu disse, concordando com suas palavras de ontem e de outro dia, "ele acumulou força e agora tem uma resolução absurda de tão detalhada. Deu para ver detalhes do corpo, as botas, tudo negro, parecendo metal cromado. Não fosse pelo quarto crescente ele e o cavalo seriam invisíveis naquele breu em que nós estávamos ontem."

Ainda aturdido pela descrição que tinha acabado de ouvir, Andrés me contou que Duílio chegou a pensar em ir à fazenda Teixeira ontem para fazer nova reclamação com Renan. Pelo telefone, Donana tinha dito que o pai e os filhos se encontravam em Varginha fazendo compras e que só retornariam de lá tarde da noite, provavelmente umas oito, a julgar pelos padrões de sono da cidade.

"Seu pai não precisa se envolver nisso, nós dois poderíamos dar conta", declarei.

Falou no diabo, apareceu o rabo. Duílio pareceu bastante descontente com nosso passeio noturno, a julgar pelo modo como falou comigo, "a senhora deveria saber como as coisas acontecem por aqui; se Andrés disse que era melhor retornar, vocês deveriam ter feito isso."

Respondi a ele que se Andrés achava melhor retornar, que retornasse sozinho. Eu queria ficar e fiquei. Disse a ele que argumentei contra ir embora, mas isso não queria dizer que eu tivesse acorrentado o menino no descampado junto comigo. Duílio ainda tentou me culpar indiretamente pelo acontecido, citando o acordo que fiz com Renan para que o Agente fosse me visitar em casa. Repliquei que isso era um acordo entre eu e o Agente e que só tinha tido efeito por aquela noite. Eu não poderia ser responsabilizada pela decisão do Agente de interromper sua cavalgada e se posicionar atrás de nós num descampado à noite. O homenzarrão sossegou um pouco, mas parecia aturdido com a história da noite passada e achava que se deveria fazer alguma coisa contra essas investidas de Renan.

"Concordo plenamente. Conversei muito com o Anderson sobre isso anteontem. Acho que ele poderia se juntar ao Renan para tentar por um pouco de juízo naquela cabecinha."

"Estou falando de ir lá nós mesmos e conversar com ele diretamente", tornou Duílio, "se a gente for esperar a boa vontade do Anderson, não sei… E também não dá pra culpar o menino, deve ser uma das piores profissões do mundo."

"Então você não pode culpar nem o Renan, ele não teve muita escolha depois da escolha que fez. E essa primeira escolha, ele não a fez pela cidade?", eu disse simplesmente. Eu parecerei fria demais ao contato de um leitor que abra este texto justamente neste trecho. Mas tenho de analisar as coisas pela lógica deles. Senão, que lógica me restará?

Andrés concordou comigo. Ele não tinha como discordar, conhecendo o Plano Mestre como conhecia. Duílio não pareceu ter visto as coisas por esta ótica; seu silêncio agora era prova viva disso.

Olhei o relógio. Eram quase oito horas da noite.

Sob a Via Láctea | Linguagem do medo

Rádio Universal: Polícia Obscura

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