terça-feira, 14 de abril de 2009

Somente leitura

A coisa boa com os garotos é que eles resolveram apostar nas sessões de sonho. E isso num momento onde tudo está parado, onde nada tem acontecido. Esses momentos em Taurinos me deixam preocupada, ao invés de me tranqüilizar. É com efeito quando eu mais me sinto preocupada com as coisas a meu redor. Como se o silêncio e a aparente quietude de todos escondesse algo fermentando, uma confusão daquelas bem típicas da cidade, uma confusão incomensurável, metafísica, bem nos moldes de tudo o que já narrei aqui até o momento.

Os seis meninos estão aqui no alpendre da fazenda Teixeira esta manhã. Olhando para mim como quem analisa um inseto nunca antes visto. Pergunto se eles sabem quando as aulas irão retornar. Eles me dizem que já perderam praticamente o ano, já que não há qualquer previsão da escola reabrir. Ela serve de abrigo a algumas famílias que perderam suas casas durante o problema com os touros no início de março e enquanto suas casas não forem reconstruídas não terão para onde ir. A resposta tem sido a mesma desde a Lei dos Touros e será por muito tempo.

"Nós somos exatamente do jeito que a senhora sonhou", disse Renan de repente.

Houve uma pausa. Sim, do jeito que eu sempre sonhei. Eu me lembro como tudo começou. Eu estava em minha casa, em Santos, quando o telefone tocou. Um homem com sotaque mineiro marcou entrevista. Era Duílio, pai de Andrés e Adriano, querendo falar sobre problemas que tinha com o filho. Daí sugeriu que eu viesse a Taurinos acompanhar o caso de perto, o que me levou a muito mais do que simplesmente um menino problemático. Me trouxe a tudo isso que hoje em dia vivo, sem mais poder sair dessa cidade por mais de quarenta dias, tudo isso.

"A senhora se lembra se estava deitada quando o telefone tocou?", perguntou Bruno, como se isso fosse de suma importância.

Tentei me lembrar dos eventos daquele dia, mas nada me ocorreu como estar deitada. Lembro-me de ter telefonado para a Meire naquele dia. Um pouco antes que Duílio ligasse.

"Meire estava bem zangada naquele dia, não é? Por causa da conversa sobre o menino mexicano", perguntou Adriano, olhando para os outros e depois para mim.

Aquilo foi um raio caindo em cima de mim. De onde ele conhecia Meire? Como Adriano poderia saber disso? Jamais sequer pronunciei o nome da Meire em Taurinos. Muito menos a conversa sobre o menino mexicano. Eu disse a ele que nunca antes tinha comentado sobre isso, como ele poderia saber? Isso reforçou ainda mais minha hipótese da percepção extra-sensorial de Adriano, com se ela já não fosse nítida o suficiente.

Adriano pareceu confuso sobre o que ele mesmo tinha acabado de dizer. Como se não soubesse de onde tinham vindo as palavras. Como um adivinho no meio de um transe que termina, deixando-o sem um chão para por os pés. Os outros me olhavam como se estivessem prestes a assobiar disfarçando um sentimento de puro embaraço. Não consegui que ele dissesse de onde tirou isso mas porque sinceramente ele mesmo parecia não saber. Sim, havia um legítimo sentimento de confusão nele - os meninos podem disfarçar bem as coisas, mas certas coisas se percebe serem bem sinceras, distantes de toda a afetação.

"Vocês também conhecem a Meire?"

"Quem é Meire?", justamente Adriano foi o primeiro a perguntar.

"Ora, pensei que você soubesse, já que era você mesmo falando a respeito dela…"

"É sua amiga?", perguntou Andrés calmamente, como se contemplasse as habilidades secretas do irmão mais velho.

Contei quem ela era e eles ficaram me olhando e se entreolhando por um tempão com cara de paisagem. Odeio quando isso acontece. Simplesmente odeio.

Algo estranho |

Rádio Universal: Teatro De Sombras

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