domingo, 29 de março de 2009

Outra geometria

Andrés ficou olhando um tempão para mim como se avaliasse o que eu estava propondo. Na verdade, eu mesma estava pensando se valeria a pena fazer o que eu estava propondo.

"Não sei", ele disse por fim, "acho meio arriscado ficar tentando entrar sem ser ter sido convidado. E mais, será que não é ruim dar muita importância a esse negócio do Renan?"

"Eu proponho isso porque acho que qualquer que seja o próximo passo dele, esse campeonato é uma chance de ver o que ele está realmente planejando fazer. Não que seja exatamente isso, mas pode nos dar uma indicação mais clara do que está acontecendo."

Acabei dizendo a ele que esquecesse o plano. Realmente seria meio ridículo que nos pegassem tentando entrar sem ter sido convidados. Se Renan não queria nos convidar, deveria ter lá seus motivos, então o que havia para se fazer era respeitar a decisão dele de nos manter fora disso. O dia de hoje parecia se encaminhar exatamente como o dia de ontem. Essas repetições de eventos e circunstâncias me davam nos nervos.

Dormi na Taurinos a noite passada. Estou de fato respeitando a decisão de Renan inclusive ficando longe da fazenda Teixeira por esses dias de torneio. Estou em dúvida se conto a Andrés a conversa que tive com Renan algum tempo atrás em que ele dizia que pretendia destruir Andrés. Decidi por contar, apenas para descobrir que isso não era novidade nenhuma para ele.

"Ele me disse isso na escola quando nós nos pegamos", ele disse sorrindo, "é só besteira do Renan, ele tem o sangue quente pra raio."

Houve uma pausa. Como sempre, mirávamos as montanhas que o alpendre da fazenda Taurinos ficava emoldurando. A conversa com Renan daquele dia não me saía da cabeça. A alegação de Andrés de que já conhecia o conteúdo da conversa não me animava, eu não sabia dizer porque.

Adriano veio só desta vez. Vinha impressionado com os resultados do campeonato. Os animais de Renan venceram de ponta a ponta, enquanto Guilherme perdeu um de seus dois pitbulls. Eu nem sabia que ele tinha cachorros, achei que toda aquela bicharada no galpão dele fosse de Renan e de mais ninguém.

"Rolou até um pau no final entre o Renan e um cara de São Paulo", comentou Adriano casualmente.

"Por que?" Andrés se interessou.

"Porque o cara disse que teve trapaça, mas todo mundo viu que não tinha nada disso. Ele estava mesmo era desesperado porque tinha perdido três cachorros dele pro Renan. E ele avançou no Renan, mas nem o Guilherme nem a gente precisou ajudar. O cara saiu de Taurinos de volta pra São Paulo com a cara bem estragada. E se a gente não tira o Renan de cima dele ia ficar pior, que ele não conseguia mais parar de bater no cara. Não foi bem uma briga. Foi mais um massacre que qualquer outra coisa. Saiu daqui com três cachorros mortos e uma cara arrebentada. A cara dele ficou com uma outra geometria", riu Adriano, divertido.

"Porra…" Andrés ficou admirado. Eu e ele trocamos um olhar significativo. Adriano não entendeu o nosso olhar de excluídos do sistema. Tínhamos sido excluídos do evento como um todo. Nos restavam as narrativas de terceiros como um modo de compor um painel de tudo o que tinha acontecido dentro do certame. O que entendemos foi que ele vinha se tornando mais e mais agressivo.

A questão de Renan arrebentando o nariz e a cara do paulistano à força de socos pareceu nova até mesmo para Andrés, que não uma vez tinha enfrentado brigas com o pequeno Teixeira. Achei que poderia perguntar a Andrés como era Renan durante uma briga, mas achei também que ele jamais me forneceria um retrato confiável, já que estava envolvido ele mesmo naquilo e não quereria dar parte de fraco ou de ter apanhado de um menino dois anos mais novo que ele. Até porque talvez isso nem tivesse acontecido.


Esses monstrinhos minúsculos | Roleta russa

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