quarta-feira, 18 de março de 2009

Num tempo como este

Dia inteiro trancada no quarto. Internet. Atualizando o blog, eternizando a história que teimo em não esquecer. Que abre um capítulo novo em minha vida. Viver e morrer em Taurinos. As recordações do dia de ontem, a surra, a violência doméstica por parte do pai, um menino de joelhos implorando perdão. Parece incrível, mas sinto pena do menino por tudo o que tem sido. Não sei, já não sei mais se eu não faria o mesmo, vendo a minha cidade ameaçada como se viu Taurinos pouco mais de uma semana atrás.



"Sob a capa, os adolescentes hoje são surpreendentemente conformistas."

Selina S. Guber



Ouço batidas na porta. Peço um tempo, me levanto do computador, vou abrir a porta. O Taurino caçula vem conversar comigo. Ele mal olha nos meus olhos, mas deseja entrar e conversar. Eu libero a passagem e ele se senta na cadeira ao lado da minha. Olho para as pernas dele, marcadas pelas cintadas de ontem. Uma nota de tristeza me passa pela cabeça, nuvem que procuro afastar com atenção nos detalhes, com a expectativa do que ele pretende me dizer.

"Eu apanhei bem ontem", ele disse, com a sombra de um sorriso no rosto, "OPCV, é marca vermelha pra todo lado."

"Teu pai te bateu demais. Se bem que você mereceu. Mas fazer você ajoelhar foi o cúmulo."

"Se o meu pai me batesse daquele jeito por uma semana sem parar, não ia pagar o que eu fiz com a senhora. Eu não apanhei nada comparado com o que tinha que ser. Se eu me ajoelhasse em cima de um monte de pregos, também não pagaria o que eu estou lhe devendo. Então, não se preocupe comigo. Eu vim lhe pedir perdão. Eu sei que a senhora nunca vai me perdoar, mas eu tenho que lhe dizer isso de qualquer maneira."

Fiquei calada. Não porque eu queria continuar a punir o menino calada. Mas porque eu não conseguia achar o que dizer a ele. O que posso dizer a ele? O que eu posso dizer a mim mesma em um tempo como este? Andrés continuou, ao ver que eu não me manifestava.

"Eu perderia o respeito pelo meu pai se ele não agisse assim comigo."

Eu fiquei atônita. Disse a ele que ele não podia estar falando sério. Isso é um castigo medieval, eu disse a ele. Ele disse que era assim que tinha que ser.

"Se meu filho fizesse isso, eu teria que ser durão com ele. Senão, perde o respeito, não? Eu lembro do meu pai quando ele era da minha idade agora. Ele deixou aberto um curral e veio pra fazenda. No dia seguinte, tivemos que localizar os touros pela cidade inteira, ficamos três dias fazendo isso. Eu dei uma surra nele que só sal mesmo pra cicatrizar. Porque eu tinha de fazer ele saber o quanto me custou por os bichos de volta no nosso curral. Não fosse assim, ele faria outra, outra e mais outra. Ele sofreu o diabo na minha mão, mas nunca mais saiu de lá sem ver se todas as porteiras estavam fechadas."

"Então está certo."

Nós ficamos em silêncio. Ele tentou começar uma frase, mas não conseguiu. Penso em como posso dizer a ele que esse tipo de coisa não se aplica mais. Penso em perguntar se o pai lhe dá carinho, encoraja e incentiva, ou se só espera pelas faltas para aplicar uma punição. Mas para que? Dizer a alguém com filhos o que se fazer quando nunca se teve um não faz muito sentido para mim.

Internet. Atualizo o blog e vou conferindo o dia a dia dos amigos blogueiros daqui. Encontro interessante artigo sobre o grande grupo de música eletrônica brasileira Agentss nos arquivos do blog do Sesper Works, com direito a download de arte de capa e link para o som deles hospedado no Media Fire. Nos arquivos dos Novos Poetas, Berenice, uma poesia esperta, a um só tempo bem humorada e melancólica sobre a ingerência nos assuntos alheios.

Adriano veio me chamar para jantar. Encerrando todas as sessões abertas.

Os fins e os meios | Manobras orquestrais na escuridão

Rádio Universal

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