quinta-feira, 19 de março de 2009

Manobras orquestrais na escuridão

Hoje conversei com os donos da casa. O casal me propôs que eu ficasse morando com eles, até que eu decidisse o que fazer em Taurinos (ou muito mais). Duílio e Aparecida disseram que eu poderia ficar para o resto da vida. Que faziam muito gosto em me ter por aqui. Que isso não repararia o dano causado à minha vida, mas que era o mínimo que eles poderiam fazer numa situação como essa. Me conformo mais com a situação. Não deveria, mas que outra opção eu tenho?



"Às vezes eu amo e construo castelos. Às vezes eu amo tanto que tiro férias e embarco num tour pro inferno. Será que eu sou medieval? Eu me acho um cara tão atual, na moda da nova Idade Média, na mídia da novidade média."

Medieval, escrita por Cazuza e Rogério Meanda e gravada por Cazuza.



"A senhora me desculpe aquilo de anteontem com o Andrés…" começou Duílio.

"Não desculpo, não. Não bastassem os cinco minutos de surra, fazer o menino se ajoelhar na minha frente não é me pedir desculpas. É me deixar constrangida na frente de todos. Andrés mesmo me disse que não apanhou o que tinha que apanhar, mas eu não me importo. Me lembro dele ajoelhando na minha frente para me pedir que eu conversasse com vocês dois e liberasse os touros de volta para ele. Anteontem, vi de onde ele tirou isso. A barbárie começa em casa."

"A senhora queria que eu deixasse barato pra ele?"

"O que eu sei é que existem meios mais modernos de se punir uma criança. Duílio, ele tem 12 anos…"

"A senhora bem sabe que ele não é qualquer menino de doze anos."

"Não me importa. Agora ele tem doze anos e é isso que me interessa. Águas passadas não movem moinhos."

"Quando ele era meu…"

Ele se interrompeu. O rosto passou por um transe. E eu vi o que nunca tinha visto antes: o chefe de família chorando. Não pude ouvir o final da frase, mas se adivinhava facilmente. Duílio caiu no sofá, as lágrimas rolando, Aparecida se sentou junto a ele e o abraçou. A confusão de saber que a sua vida mudou de uma maneira que não pode mais ser consertada. Entendo bem o sentimento. É por isso mesmo que eu estou passando exatamente agora.

Andrés vinha descendo a escada, quando viu a cena e se retirou de volta para seu quarto. Adriano não colocaria os pés na sala por nada deste mundo, ao que parecia.



"Nesse exato momento, sua memória está ficando mais longa e sua vida ficando mais curta."

Nesse Exato Momento, escrita e gravada por Van Halen.



Café. Notável descoberta dos árabes e dos fazendeiros do Sul de Minas. "Sêo" Danilo derrama o ouro negro em duas canecas. Está pensativo como poucas vezes o vi. Diz que entende a situação. Que Taurinos não é um lugar ruim para se viver, apesar de tudo. Digo que não é esse o caso. O caso é que eu não tenho mais controle sobre a minha própria vida.

Noite estrelada na fazenda Taurinos. Os curiangos se sentam nas estradas de terra em torno da fazenda Taurinos e iniciam seus chamados noturnos em meio à escuridão. A orquestra percussiva de sapos em redor ensaia seus primeiros movimentos: manobras orquestrais na escuridão.

Andrés vem ao alpendre; num primeiro momento, ele se senta e olha para a noite lá fora. Eu faço o mesmo, mas iniciei bem antes.

"Órion", ele disse de repente, "o Caçador Celeste. Porra, bonito pra raio. Adoro ver ele atirando aquela flecha."

Ele me olhou, como que esperando uma resposta.

"É, uma flecha permanente."

"Que aconteceu com o meu pai?" ele perguntou, do nada.

"Ele se lembrou de que ele tinha sido seu filho." eu respondi, do nada.

Num tempo como este | Uma temporada permanente

Rádio Universal: Temporada Permanente

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