domingo, 22 de março de 2009

Eu fiz assim mesmo

Uma Temporada Permanente é o novo lema da Prefeitura de Taurinos para a nova era de cinqüenta e dois anos de paz e harmonia que ora vivemos. Embora o mandato não vá se prolongar isso tudo (se bem que no interior a gente nunca sabe, nas cidades grandes já é aquele caos), ele acha que é um belo lema para sua administração.

O prefeito esteve hoje aqui na fazenda Teixeira. Saiu carregado de promessas de ajuda na reconstrução da cidade, mais outras tantas requisições de atenção aos problemas viários do município e à falta de intimidade da Prefeitura com os canais competentes da CEMIG para instalação de energia elétrica e extensões de postes padrão.

Hoje Renan me leva novamente ao Galpão da Vida e da Morte e me diz que eu tenho que testemunhar o desaparecimento de um dos leitões dentro da píton de Burma de qualquer maneira. O pior é que não posso eternamente ficar dizendo não ao espetáculo bizarro que o menino quer que eu presencie. Há muito mais para ver ali do que apenas aquilo. Não me interessa o animal tratado. Me interessa o comportamento do tratador.

"Pra quem fez aquela coisa linda na arena, durante quatro horas sem parar, como a senhora, isso é café pequeno", ele dizia sorrindo enquanto nos aproximávamos do galpão. Dali, ele pediu licença e foi buscar um leitão. Trouxe o bicho esperneando e grunhindo fortemente na perspectiva de algo ruim, já filmando, sorriu para mim e jogou o bicho no terrário da píton.

A cobra enrolou-se no porco iniciando uma batalha pela sobrevivência na qual o mamífero não ia levar a melhor. Com um pedaço de madeira, Renan controlava a cabeça do porco para que não mordesse a cobra no processo. Num transe impressionante, ele filmava, babando de prazer. Deliciado, ouvia os estalos dos ossos do porquinho se rompendo à medida que os laços da cobra iam se estreitando cada vez mais e os grunhidos do animal, ficando cada vez mais fracos até cessarem por completo. A cobra iniciou o processo de engolimento total do animal morto com ruídos digestivos deliciosamente nauseabundos, enchendo a câmera de imagens e Renan de felicidade.

"Taí. Completamente dominado! Não demora muito, esse porco vira bosta de cobra…" E ele desligou a câmera com um sorriso de orelha a orelha.

Virar bosta de cobra. Descrição absolutamente poética deste jovem poeta das vísceras e matérias corporais.

Como o prefeito, Renan tem lá seus planos para uma temporada permanente. Uma temporada permanente aberta para batalhas entre bichos de estimação no melhor estilo zanken-pó. Sapo grande domina sapo pequeno. Cobra domina sapo grande. Cobra domina coelho, sapo domina camundongo e por aí vai.

Ele me leva até o computador dele, de volta à casa da fazenda. Me mostra sua página no You Tube™ e eu curto o fundo de página dele, com os touros e seu desejo de personalizar a página. Pergunto sobre os vídeos que ele tem feito, já que não pára de filmar a alimentação um minuto. Ele me diz que os vídeos que faz ficam estocados no You Tube™ como privativos, a serem mostrados somente a pessoas autorizadas. Como eu mesma. Ele me faz prometer não dizer nada a ninguém e me mostra um dos vídeos no privativo: o vídeo dele na arena, no combate com o Sagrado. Fiquei espantada, já que me lembro de Andrés ter proibido a filmagem dentro do santuário.

"Andrés é bem prego de vez em quando, sempre dizendo o que a gente pode fazer e o que não pode. Fiz meu irmão me filmar por cima dos ombros dele, eu fiz assim mesmo. Aí mandei pro You Tube™ no privativo. O livro não diz nada sobre filmagem em lugar nenhum, diz? Então…"

"Renan, já te passou pela cabeça que quando o livro foi escrito pela última vez — em 1957 — não havia pessoas pra cima e pra baixo com câmeras e celulares com câmeras como hoje em dia?"

Ele olhou para mim como se fosse a primeira vez que era apresentado a tal argumento e por alguns instantes ficou confuso. Eu disse a ele que embora câmeras não fossem bem-vindas em muitos rituais do mundo, incluindo aí as religiões mundiais em si, realmente não havia nada no livro proibindo a filmagem. Eu mesma não vi mal nisso (pelo menos não mais do que já tinha sido feito).

Essas coisas preciosas | Êxtase técnico

Rádio Universal: Temporada Permanente

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