sábado, 21 de março de 2009

Essas coisas preciosas

Sábado. Renan me leva até um galpão nos fundos da fazenda, mas exageradamente afastado dela. Lá dentro, me sinto como que na ilha do Dr. Moreau. Aquários com todo tipo de bicho. Terrários com rãs, sapos enormes, cobras de várias espécies. É incrível o quanto de vida selvagem há nesse lugar urbanizado e humanizado. Criamos uma civilização longe dos bichos selvagens, arrasamos o habitat natural deles para depois podermos colocá-los nesses aquários e gaiolas tristes (os mesmos bichos que tentamos evitar com toda a urbanização).

São dez horas da manhã. Renan me trouxe aqui para ver a alimentação dos bichos. O galpão tem o cheiro de fechado que me abafa e ameaça me fazer espirrar. Há uma clarabóia enorme no teto que é falsa, feita de telhas transparentes. O lugar tem a temperatura de um silo com granel próximo de uma combustão espontânea. É denso e inexplicável como uma floresta tropical. A luz natural filtrada das telhas, ao invés de emprestar uma atmosfera do dia ao lugar, confere a ele um ar meio sinistro.

"Sinistro, não?" ele perguntou sorrindo.

"Engraçado, essa palavra mesmo acabou de me passar pela cabeça."

Renan pegou uma gaiola pequena onde enxameavam ratos brancos, estressados tanto pelo movimento da gaiola quanto pela perspectiva dos planos nada alegres do filhote de homem para com eles. Tirou uma câmera do bolso — a mesma que Andrés interditou no Mithraeum naquele sábado fatídico — e ajustou para captura de vídeo. Me pediu que eu segurasse a gaiola para ele, puxou um dos ratos para fora pelo rabo e se aproximou do primeiro terrário.

"Uma copperhead que meu pai importou de Burma pra mim. Linda, né?" e ele ligou a câmera, focou cuidadosamente e introduziu o rato no terrário. O bicho logo morreu a morte horrorosa que os ratos sempre morrem quando apanhados de jeito pelas cobras. Renan levou dois deliciosos minutos filmando o almoço da cobra. Ainda filmando, ele olhou para mim e sorriu, orgulhoso do bichinho de estimação.

"E ela é bem gulosa, OPCV", e ele introduziu um segundo rato, que não demorou muito para desaparecer de ponta-cabeça dentro da goela do réptil faminto. Agora, aflição mesmo era ver as perninhas do rato se mexendo ainda com vida enquanto ele desaparecia para sempre dentro das entranhas mais secretas da cobra. Para não falar na nojeira do rabinho saindo pela boca da cobra. Tudo isso gravado com paixão e em detalhe macro pelas lentes famintas de Renan.

Eu desisti quando ele me avisou que iria servir um leitão vivo a uma píton de Burma. Na distância eu o vi passando com o pobre, seguro pelas patas traseiras.

Uma temporada permanente | Eu fiz assim mesmo

Rádio Universal: Temporada Permanente

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