segunda-feira, 16 de março de 2009

Cidade em movimento




"O sol acorda a cidade, mistura a cor da massa que vai na velocidade da luz do Astro Rei do olhar. Sou da cor da cidade, caminho junto com a multidão que pulsa ao som da verdade, tambor da nossa comunicação que toca no sangue, que toca os sentidos, espalha no ar o batuque das tribos. Na força do vento um só movimento; desagua na onda que invade e transborda no som que acorda a cidade. Coração de paz, coração de pão, tudo coração de irmão; coração rei, coração de irmão."

Cidade Em Movimento, escrita e gravada por Pedro Luís E A Parede.



Centro da cidade em Taurinos pela primeira vez desde o velório de Arthur. A cidade está de pernas para o ar, bem entendido, mas parece respirar vida nova. Passamos o dia todo ontem de volta no Hospital Regional do Sul de Minas em Varginha. Andrés passou por todo tipo de exames, especialmente neurológicos, tudo o que a ciência conhecia. O médico que nos atendeu ficou pasmo em saber que o menino tinha ficado por quase oito minutos debaixo d'água sem sofrer nenhum dano neurológico.

Hoje, um dia depois do hospital e dois depois do alucinado Ordálio por que todos nós passamos, Taurinos é uma festa em meio a seus próprios escombros. Bizarro como possa parecer o contraste de dois paradoxos se chocando, isto é natural para esta cidade de natureza deliciosa e urbanização arrasada.

"A mãe tá esquisita comigo desde sábado", reclamou Andrés enquanto o pai passava uma marcha e entrava na praça principal da cidade.

"Eu estou esquisito com você, rapazinho", retorquiu o pai, torcendo o volante para estacionar, "e como quer que a sua mãe se sinta sabendo que deu à luz ao próprio sogro dela? Ela passou o sábado e uma parte de ontem chorando as pitangas quando soube, primeiro com medo de te perder no Teste e depois com medo de te receber de volta em casa. Você acha que é fácil para nós dois, Andrés?"

"E 'tá sen'o pra mim?"

"Pode não estar sen'o, mas ao menos você fez uma escolha nessa história. E nós? Que escolha restou pra gente?"

O prefeito vem para o meio da praça e os interrompe. Ele poderia muito bem despachar ao ar livre, já que a Prefeitura terá de ser reconstruída como ponto mais vazado pela touralhada insana então comandada pelo General Ariman. Eles, como os habitantes humanos de Taurinos têm também suas contas a ajustar com a Prefeitura. Ele agradece em nome de Mitra por termos trazido de volta a lei dos homens à cidade. Eu disse a ele que mais que a lei dos homens eu queria ver a lei dos homens, mulheres, adultos, crianças, jovens e velhos de Taurinos, em cada canto, em cada esquina. Ele sorriu um sorrisinho amarelo e nos deixou em paz. Duílio me agradeceu, não sei porque. Acho esse prefeito um saco de qualquer maneira.

E tem "sêo" Danilo cruzando nosso caminho novamente. Você poderia pensar que ele espreita na escuridão, mas o fato é que a cidade não é muito mais que esta praça principal com a igrejinha e coisa. Tudo acontece aqui e perto das montanhas, num ponto mais agreste e não-urbanizado de Taurinos. Cidade que não cresce e nem encolhe.

"Almoça com a gente, Danilo!", convidou Andrés.

"Fique à vontade para vir, "sêo" Danilo. Ei… que confiança é essa com um homem mais velho, Andrés? Olha o respeito." ralhou Duílio.

"É que nós somos velhos amigos", explicou Andrés, sorrindo.

"Óia, eu vou aceitar", ele disse sorrindo também, "por enquanto não tem muito pra fazer aqui mês, o sócio foi até pra São Paulo…"

Paramos no restaurante do Zé dos Quintos para almoçar, um dos restaurantes em melhor condição dos arredores da praça. Todo o resto é um monte de entulho, gente alojada na Escola da cidade, a única escola. Nem sinal de aulas tão cedo, mas vamos e venhamos, é só uma vez a cada 52 anos! Logo pergunto aos homens qual o motivo de um apelido tão interessante e pitoresco como Zé dos Quintos. Andrés me explica que ele manda os bêbados chatos para os quintos do inferno quando está completamente de saco cheio, daí o apelido.

"Aos poucos, tudo vai voltando aos seu lugar", comentou "sêo" Danilo, quando nos sentamos e pedimos um comercial, "pelo menos, o pior já passou."

"Justo. É tempo de reconstruir e construir coisas novas para a cidade", concordava o chefe do clã dos Conselheiros com um belo nariz de cera.

Eles se divertiam contando os "causos" mineiros mais recentes, como o Ordálio por exemplo, "…e quan'o me tiraram da água eu estava todo oncotô? Proncovô? Prõnóstãmuínu? Serakimês?" contava Andrés entre as risadas gerais.

Depois do Ordálio | Os fins e os meios

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