sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sobre bloggers e espadas

"Cansada ainda?", riu Andrés na mesa do café, se referindo à minha caminhada de ontem.

"Não, eu dormi muito bem esta noite", respondi.

"Aposto que sim", ele disse matreiro. "Agora talvez aceite a oferta de um cavalo para andar por aí."

"Pouco provável", eu disse, "passei minha vida inteira andando a pé. O dia de ontem não mudou nada para mim."

"Ô burro!" E ele assobiou, espantado. O assunto acabou morrendo por falta de outra pessoa para alimentá-lo.

Comentários sobre o Carnaval em Taurinos. Aparecida e Duílio perguntaram se eu gostaria de ver o Carnaval na cidade. Eu disse que não. Os pais e os filhos ficaram se entreolhando.

"A senhora vai ficar aqui sozinha na fazenda?", inquiriu Adriano.

"Se nenhum de vocês vai ficar, suponho que sim."

"Não gostaríamos que a senhora ficasse aqui sozinha", argumentou Duílio, confuso.

Eu disse a ele que se o problema era esse, eu poderia dar uma volta por aí, talvez ir novamente até os currais de Andrés.

"A senhora só pode estar brincando", afirmou Andrés, sorrindo.

"Não estou brincando não."

Andrés olhou para os pais, como se perguntasse mudamente se deveria acreditar ou não naquilo. Adriano me observava espantado. Duílio e Aparecida pareceram incomodados com o rumo da conversa. Duílio disse que o problema não era de nenhum modo falta de confiança em sua hóspede, mas que eles não queriam que eu morresse de tédio por aqui. Eu disse que tédio não era coisa que me atingisse.

"Se a senhora quiser, pode ficar, não há problema algum. Só acho chato ficar na casa vazia, não sei que horas nós vamos voltar…"

"Ah, eu vou ficar mesmo é na Internet. Pretendo atualizar o meu blog. Tenho bastante anotações para passar para ele."

Andrés se interessou pelo blog e me pediu o endereço. Eu disse a ele que o blog era privativo e que mesmo que eu desse a ele o endereço, ele de nada serviria. Novos olhares em volta. Eu fingia estar distraída com a xícara enquanto o canto dos olhos me mostrava o estranhamento geral em torno. Achei graça, mas também achei melhor não rir.

"Tudo jóia então", Andrés desistiu, meio entre o sem-graça e o desapontado, "só fiquei curioso pra ver, só isso, não queria me intrometer."

"Sem problemas."

"Quer dizer que vai me deixar ver o blog?", tornou Andrés.

"Não."

"Andrés, não seja insistente e chato", interveio a mãe, "se ela não deixou público, não é para você ver e assunto encerrado."

Andrés finalmente percebeu que não lhe sobravam alternativas a não ser se calar. Duílio pediu licença e se levantou da mesa. Os meninos fizeram o mesmo. Eu e Aparecida ficamos conversando até a hora de todos deles saírem. Ela perguntou o que eu anotava em meu blog. Eu disse que anotações de meus clientes, daí o blog ser privativo. Ela mudou de assunto e me perguntou o que eu achei do trabalho dele com os touros.

"Não sei. Nada especial. Ele ficou marcando os touros ontem. Ele sempre faz isso?"

"Sim, e ele marcou a maioria das vacas de Adriano também."

"Sozinho?"

"Sim, só ele e mais ninguém. As outras vacas foram marcadas pelo Adriano porque ele escondeu o ferro de marcar, queria aprender como fazer. Se dependesse de Andrés, ele marcaria todas."

"E sendo que a inicial é a mesma, diferenciam pelo sexo?"

"Exatamente."

Duílio e os meninos passaram pela sala, já de saída para a cidade. Aparecida ainda me perguntou mais uma vez se eu não tinha mudado de idéia quanto a ir à cidade e eu disse que não. A família se despediu e se foi.

Fiquei um tempão no alpendre, pensando no que fazer. A idéia de visitar o habitat natural do meu cliente ficou batendo em minha cabeça. Fui ao quarto dele. A porta estava encostada. Estaria trancada? Não. Entrei movendo o mínimo possível a porta. A luz do dia banhava o quarto enorme. A cama, a escrivaninha com o computador, CDs e DVDs de instalação jogados aqui e ali displicentemente, como um bom quarto de menino. Eu andava pisando em ovos para não deixar pegadas nem rastros fáceis de seguir.

Estava olhando sobre a escrivaninha todo o tempo e nem me toquei em levantar os olhos para as paredes do quarto. Uma foto de Andrés, sentado sobre um touro, grande como um poster sobre a cama. De cada lado, ladeando a foto, uma espada de toureiro pronta para usar. Olhei em volta. As bainhas dormiam tranqüilas sobre a cômoda. Com todo cuidado do mundo, observando a posição exata do objeto sobre a parede, tirei uma delas de lá e examinei a lâmina. Limpa, perfeita, refletindo a luz do dia com uma pureza de ofender as vistas.

Com o mesmo cuidado, recoloquei a espada na posição fixa na parede. Contornei a cama e fui ao outro lado. Retirei a outra com o mesmo cuidado. A mesma lâmina, limpa, perfeita, refletindo a luz do dia. Um detalhe me chamou a atenção no fio: um tom de vermelho morto, seco há muito tempo. Fui até a janela confirmar. Lá estava ele, correndo sobre uma pequena parte do fio. Lembrei que não tinha investigado a borda da lâmina da outra. A cor estava lá, tão morta quanto ou mais. Mas estava, bem à luz do dia, detalhe quase imperceptível que a luz revela com mais clareza.

Recoloquei as espadas no lugar com máxima cautela. Quando me preparava para deixar o quarto, um som de motor e de buzina lá fora. Me abaixei, evitando a janela aberta e segui agachada para a porta e o corredor. Encostei a porta como eu a tinha encontrado e desci o mais rápido que podia.

Não, não é a família de volta. É um carro com um homem e dois meninos. Um dos meninos salta e vem ter comigo. Ele é grande, bem grande, mas parece bem jovem. Pergunta sobre Andrés.

"É um menino fortinho que usa óculos, a senhora conhece, não?", ele perguntou.

"Fortinho assim como você?"

O menino ficou meio sem-graça. Respondi que ele tinha ido à cidade com a família. Ele me pediu que dissesse a Andrés que o Diogo tinha vindo procurar por ele. Agradeceu, entrou no carro e partiu.

Fiquei enfiada no quarto, no computador, atualizando o blog. Fico sabendo que o ilustre artista das colagens Sesper está indo para as cabeças. Recentemente, ilustrou a capa do novo disco de Bomb The Bass, Future Chaos, o que se tornou assunto deste post mandado por ele para a Blogspot tem um tempinho. Mando aqui um abraço pro concidadão Sesper (caso ele venha a ler este post) e agitação cultural sempre.

À tardinha, lá por umas cinco e meia, o som do carro de Duílio retornando à fazenda. A ausência deles me deu tempo de relaxar, escrever o quanto quis, atualizar a Rádio Universal, que fazia uns dias não tocava.

Leves batidas na porta do quarto. Digo que a porta está aberta, Aparecida vem chamar para um café. Um café da tarde. Os meninos conversam sobre o que viram nas ruas, os eternos homens vestidos de mulher no Carnaval, movidos a generosas doses de pinga para segurar a onda do ridículo coletivo, os bailes em minúsculas agremiações na cidade, o povo nas ruas curioso, mais do que querendo brincar o Carnaval.

"Atualizou seu blog, D. Stella?", perguntou Andrés, sorrindo.

"Menino, não seja chato, já falei", interveio Aparecida.

"Pode deixar", eu relativizei, "atualizei sim, Andrés."

"Sobre o que escreveu hoje?", tornou ele.

"Sobre um amigo meu de Santos, chamado Sesper, que trabalha com artes plásticas… colagens."

"Legais as colagens dele?", quis saber Adriano.

"Posso te mostrar depois do café", eu disse tranquilamente.

"A senhora não disse que seu blog é particular?", interferiu Andrés.

"O blog dele no Blogger é público."

Após o café e todas aquelas delícias mineiras, mostrei a eles os trabalhos de Sesper de um post que chamou de Trabalhos Novos Inacabados. Eles gostaram, especialmente das cores. Andrés achou "irado" um com uma caveira. Adriano preferiu um com predominância total de vermelho, que retratava um homem e um revólver como a ponta de uma espingarda desproporcionadamente pequena. Nos gostos dos dois, a tendência para elementos ou símbolos violentos, o que me pareceu interessante, mas se dissolve demais na cultura de violência geral para ter qualquer relevância prática.

A de Andrés | Limite de município

Rádio Universal: Um Amor Como Sangue

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