domingo, 15 de fevereiro de 2009

Pós-imagem

Andrés sabe nadar. E bem. Menino acostumado à vida no campo, a vida natural que tudo dá em plenitude, mas tudo cobra em dificuldade. Fico admirando a agilidade com que vai de um ponto a outro do poço da Cachoeira dos Chifres. A água do poço começa a escurecer minhas vistas. Noto que tenho o olhar parado no mesmo ponto há algum tempo e que é isso que escurece as minhas vistas. Enquanto o pequeno Andrés nada com um peixe num remanso, brinco de escurecer minhas vistas, me programando para fixar um ponto com os olhos e deixar a escuridão tomar conta.

Olho para o interior do poço mai uma vez e fixo nele o olhar. O movimento da luz do dia sobre a água serpenteante me distrai e me mesmeriza. A visão vai se escurecendo lentamente, clareia quando meus olhos por algum motivo se afastam do ponto original ainda que por milímetros. Uma forma escura vai se delineando dentro da água do poço. Lá embaixo, o garoto continua seu nado quase ritualístico. A forma escura vai ganhando detalhes que se perdem quando minha visão clareia. Tenho de aplicar uma grande força de vontade nisso para tornar mais nítida a imagem.

E lá está a imagem, finalmente definida. Um touro. É o que é. A coisa triangular e negra sob as águas, seus chifres parecem evidentes agora. Um touro com um olhar plenamente fantasmagórico e Andrés em seu nado quase ritualístico ao redor da cabeça do touro. Um touro que parece todo o tempo estar olhando para mim. Ele agora desaparece como que por encanto de minha visão, embora ela não tenha clareado. Sinto um toque molhado no ombro que me tira da concentração, alarmada.

"Desculpe, não queria assustar. Está tudo bem com a senhora?"

E depois, notando a minha expressão:

"Por que está me olhando assim?"

Não tenho resposta a não ser que estava pensando e fui tirada tão de repente de meus pensamentos. Ele me olha com uma expressão desconfiada e se senta. Não parece ter acreditado em uma só palavra do que eu disse. Pergunto como ele chegou de volta do poço aqui tão rápido e a resposta dele também não convence. Embora eu tenha de levar em consideração que, como um nativo do lugar, ele se desloca por entre os obstáculos naturais muito mais rapidamente do que um forasteiro, mesmo eu estando atenta a outra coisa, foi grande a velocidade com que ele deixou o poço e chegou novamente aqui.

Outro detalhe que guardei em minha introspecção do momento é a forte suposição que tenho de que a forma-touro (ou seja lá o que fosse) que apareceu no poço só apareceu durante o tempo em que o menino estava lá. Não se passou mais que dois segundos entre a imagem desaparecer e eu sentir o toque de Andrés no ombro. Isso foi algo que ficou dando voltas na minha cabeça por um bom tempo.

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