terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Obscuridade

Diogo e o irmão, Gustavo, vieram para o café da manhã na fazenda Taurinos em plena terça-feira de Carnaval. Diogo está preocupado com bezerros que acabam de nascer. Ele disse que vieram antes do previsto, não muito, mas antes do que se tinha previsto, dois ou três dias, o que é perfeitamente normal.

"Eu estou de castigo, não posso ir hoje. Só amanhã."

Diogo e Gustavo pareceram alterados de repente.

"Mas e se ele estiver lá no meio dos outros? O que é que a gente faz?"

"Calma, Diogo; mesmo que seja ele, não vai derrubar a tua casa hoje." Adriano procurava acalmar os irmãos.

"E o que essa senhora está fazendo na conversa com a gente? Ela sabe?"

Meus olhos encontraram os de Duílio a meio caminho de Diogo. Ele ia dizer alguma coisa, mas esperou para ver.

"Ela sabe, e além disso ela não vai ficar sem tomar café da manhã só porque nasceram bezerros na tua fazenda", riu Andrés, despejando café e leite em sua caneca.

"E Diogo, por favor respeite nossas visitas. Isso não é maneira de perguntar as coisas", advertiu Aparecida.

"Me desculpe, senhora. Eu estou meio nervoso esses dias…"

"Ora, eu entendo perfeitamente." Eu sorri para ele diplomaticamente.

Aqui eu tiro um tempo para tomar pé da situação. A reunião parece mesmo oficial. Existe mesmo uma prática como a que Andrés mencionou, os adultos sabem de tudo isso e parecem aprovar. Mito ou não, todos ali parecem não ter a menor sombra de dúvida sobre a existência do Grande Um.

"Mais do que sabe", acrescentou Andrés, "ela pode mesmo encontrar o Grande Um porque ela pode ver o que eu posso ver."

"Pode?", os irmãos me olharam maravilhados.

"Andrés, não vá incluindo pessoas na caçada sem antes pedir permissão a elas", determinou o pai, com uma expressão insatisfeita.

"A senhora vai ajudar, não vai?", pediu Diogo no mesmo instante, mal Duílio tinha calado a boca.

"Vou tentar", eu disse meio a contragosto. Mas que outra maneira eu teria de estar no centro dessa história e descobrir o que ainda estava por descobrir?

"A senhora não precisa fazer isso se não quiser, D. Stella", apressou-se Duílio, seguido de perto pela esposa.

"Mas eu quero. Quero ver de que se trata. É um bom modo de começar a pesquisar. Esta história está começando a me fascinar."

Aparecida e Duílio trocaram olhares, aparentemente em grandes dificuldades tentando achar algo a dizer que me fizesse mudar de idéia. Eu tinha tomado minha decisão. Iria tentar ajudar os meninos a encontrar o Grande Um, o que quer que ele fosse.



"Mais do que sabe, ela pode mesmo encontrar o Grande Um porque ela pode ver o que eu posso ver."

Andrés



Duílio e Aparecida me cercaram nervosamente quando os meninos saíram para o pátio externo. Me perguntaram se eu tinha consciência do que estava acontecendo. Eu disse a eles que estava andando às cegas desde que cheguei. Que se eles ajudassem, contando tudo o que sabiam, eu estaria compreendendo a situação melhor em menos tempo. Eles se desculparam e disseram não ter idéia de como me contar a respeito.

"A gente pensava num modo de fazer com que a senhora acreditasse." justificou Duílio. "É difícil acreditar em algo assim, nós reconhecemos. Não podemos culpar a senhora pela confusão que tem passado."

"A história da fundação é verdadeira? Quero dizer, vocês acreditam que tudo se passou daquele jeito?"

"É tudo verdade." asseverou o casal.

Eles demoraram na mesa ainda um pouco. Pedi licença e fui para o meu quarto, refletir um pouco sobre toda essa loucura. Me pego pensando se não é um caso típico de histeria coletiva. Será que eu sei o que preciso saber sobre isso tudo? Quanto ainda há para se saber, espreitando na obscuridade de minha ignorância sobre o assunto?

Esperando pelo Grande Um | Cordilheiras

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