quinta-feira, 30 de abril de 2009

Termos

Não eram ainda oito da manhã e eu e Donana conversávamos no alpendre da fazenda Teixeira. Ela disse que Renan não tinha saído de casa na noite passada. Que não tinha como segurar a Polícia dentro de casa. Disse também que ele estava de castigo até que Adriano voltasse para casa. Que ele só sairia para "trabalhar" e se convocado pela Sociedade. Que entendia perfeitamente bem as queixas de Duílio sobre o que tinha acontecido com seu filho dentro da noite. Este último conversava com "sêo" Octávio sobre o mesmo tema e colhia mais ou menos as mesmas impressões que eu colhia de Donana. "Sêo" Octávio disse que poderíamos subir e conversar com Renan.

Fomos encontrar o jovem policial no computador. Castigo com internet eu suporto bem também, quinze dias para mim são nada com um esquema assim. Ele nem levantou a cabeça para ver de quem se tratava. Talvez porque já imaginasse. Talvez porque já soubesse.

"Renan, queremos conversar com você", disse Duílio, não muito disposto a perder tempo.

Ele se virou para nós. Parecia abatido. Não tanto quanto Adriano devia estar, nem uma décima parte, mas parecia realmente abatido. Talvez fosse o castigo. Saber que não tinha a aprovação que pensava ter por parte dos pais, por exemplo. A pergunta que Renan fez a seguir surpreendeu a mim e a Duílio.

"Conversar sobre o que?", e ele veio com uma expressão angelical.

"Que cara de pau. Virou nossa noite de sono de cabeça para baixo, mandou Adriano para o hospital e ainda pergunta sobre o que nós viemos conversar?", perguntei, furiosa.

"Taurinos inteira sabe que eu detesto esse apelido idiota. Eu avisei. Pergunte à Dica o que eu fiz com o filho dela no Zé das Profundezas."

"Sêo" Danilo tinha me contado a história. Resisti à tentação de perguntar a ele como tinha ouvido o homem falar dentro do bar se estava na praça. Não era o momento, simplesmente. Eu disse a ele que desconhecia os motivos do Célio da Dica para ter mencionado o nome, mas lembrei a ele que ele seria sempre referido como policial, não tinha como escapar disso nem da função que tinha que desempenhar. Adriano, eu disse, comentou sobre o nome de modo informativo apenas. Não havia zombaria no que ele me disse. Ele achou que tinha de me por a par dos eventos da região. Perguntei a Renan porque o fato deveria ser um segredo para mim.

"Porque eu não gosto da merda do apelido. Precisa dizer mais?"

E ele se calou. Duílio perguntou se Renan sabia sobre o estado de saúde do filho dele. Renan disse que sabia. Eu perguntei se ele tinha visto o tanto de sangue que tirou de Adriano durante a "operação". Ele negou ter tirado sangue. Eu rebati, dizendo que foi o que eu vi pela janela, o sangue escorrendo por todo o corpo do Adriano. Daí a tal anemia cavalar de que o médico de Varginha tinha falado. Ele ficou em silêncio. Linguagem corporal típica de quem ficou sem argumentos no meio do caminho.

"Houve excessos", ele acabou admitindo.

"Parabéns, está falando como um perfeito oficial da PM."

Ao meu lado, Duílio se continha para não agredir o menino. Gesto que só iria piorar as coisas. Estamos em tempo de conversar. Os castigos corporais não vão nos levar a nada além de mais confusão, pensei. Eu pedi calma a ele e disse que Renan devia desculpas à família dele pelo transtorno. Renan não se desculpou totalmente. Ouvimos dele uma sombra de desculpas e não muito mais.

"É você que vai ter de guardar os limites da cidade, Renan. Por fora e por dentro também, quando o povo se excede nas pingaiadas e brigaiadas pela cidade", falou Duílio, calmo mas uma pilha de nervos por dentro, "e se for você que não tem nenhum limite? Que limite vai poder impor pros outros?"

Renan não disse nada. Olhou pela janela e lá o olhar se fixou. A linguagem corporal era aquela que já comentei.

O deus Termo era o deus que protegia os limites na Antiga Roma e era representado por um grande marco de pedra. Segundo Gibbons, uma lenda dizia que nem Júpiter pôde vencê-lo. Consegui a informação com o colega blogueiro José Ames, do blog Persona. Vi isso agora pouco na Internet. Fiz a pesquisa porque fiquei impressionada com o que Duílio falou ao Renan sobre os limites. Limite. Parece uma palavra-chave no contexto daqui de Taurinos.

Eu disse a Duílio que vai ser preciso dar um choque em Renan, para que ele veja que está se excedendo. Eu não sabia que choque, muito menos ele. Choque no caso de Duílio é uma cinta muito bem aplicada. Medieval e catastrófico, seu posicionamento frente à educação é mofado, para dizer o mínimo. Nunca foi segredo entre eu e ele. Eu disse que precisávamos de algo que desse o choque antes que a situação pudesse atingir níveis mais elevados de adrenalina. Mostrei a ele a pesquisa sobre o deus dos limites meio que descontraidamente. Ele sorriu e disse que era mais ou menos sobre isso que ele estava falando.

À noite, mais internet e MSN. Tento localizar a Meire, já que faz um tempinho que não nos pomos em contato. Será que eu sempre vou poder ter contato com ela pela internet? Será que não vence? Que não expira, dia desses?

E ela estava lá. Estou online com o futuro. Pela webcam, conheceu a sala de jantar da Taurinos, conheceu Duílio e Andrés, ambos ainda incrivelmente em pé após o jantar. Quando eles foram dormir, impressionados com o poder da internet de me colocar em contato com alguém no futuro, ela disse que tinha estado online direto a ver se eu aparecia todos esses dias. Começamos a conversar sobre as práticas que às vezes eu repassava para ela. Especialmente as de projeção astral. Ela disse que lembrava bem das práticas, e que tinha tido resultados surpreendentes delas.

"Queria que você viesse a Taurinos me visitar. Projeção astral ajudaria", eu disse tentando Meire a vir, "lembra daquela prática com retrospectiva?"

"Eu tenho de passar as noites antes de dormir me lembrando de tudo o que aconteceu durante o dia, não? Lembro dessa, sim."

"Tenta essa. Concentre-se em mim, veja o que pode fazer com sua retrospectiva do dia."

Ainda íamos levar horas para nos despedir e desconectar.

Noite de chumbo | Retrospectiva

Rádio Universal: Polícia Obscura

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