quarta-feira, 8 de abril de 2009

Meu pesadelo favorito

No café da manhã de hoje encontrei somente Guilherme. Ele me disse que o pai tinha saído e a mãe estava no quarto de Renan com ele. Eu ia ao quarto de Renan ver o que acontecia, mas o irmão mais velho me fez ficar e tomar café com ele. Acreditei que ele seguia recomendações da mãe para me manter ali e me deixei ficar e tomar o café com ele. Ele pouco ou nada falou; perguntei o que acontecia e ele disse por alto que Renan tinha tido um pesadelo.

"Ele disse como foi o pesadelo?"

"Porra, ele disse que o Anderson e o Andrés entraram no quarto dele durante a noite e passaram horas", e ele enfatizou a palavra "horas" na intonação, "dando uma coça de louco nele. Renan jura que foi verdade, que não foi nada de pesadelo."

Isso me aturdiu. Me deixou zonza. Eu os vi entrar em meu quarto à noite. Nem conversei com eles sobre isso, mas foi uma noite interessante. Agora isso. Que nova ramificação é essa? Por que eles fariam isso com Renan?

Liguei para Andrés e Anderson. Anderson não estava em casa ou ninguém quis atender o telefone. Andrés negou ter entrado na casa de qualquer pessoa, em corpo físico ou astral ou o que quer que fosse. Nem mesmo lembrava da noite em que fomos juntos à praça no meio de um sonho lúcido. Insisti, mas ele só lembrava dos sonhos anteriores que já tínhamos comentado juntos. Isso me aturdiu também. Por que diabos ele esqueceria um sonho que foi tão nítido para todos nós? Porque só foi nítido e real para mim? Fico me lembrando de que realmente não os vi depois desse sonho. Como o dinheiro que você esquece ao sair e dele só se lembra quando precisa pagar o que comprou.

Ruído de carro lá fora, assim que desligo o telefone. O carro não é o da fazenda Teixeira, mas nem por isso deixa de ser familiar: é Anderson, trazido pelo pai, Alberto. O carro parou na entrada da fazenda Teixeira, o menino desceu e veio na direção do alpendre. Sorriu ao me ver, mas pareceu pressentir alguma coisa fora do lugar. Nem bem dei bom-dia, perguntei a ele se lembrava do sonho lúcido quando ele e Andrés estiveram em meu quarto. Contei a ele a passagem na praça e tudo. O menino arregalou um olhão para mim, a testa toda se franziu num relâmpago só.

"Eu, uai? Não me lembro de nada disso, D. Stella. Eu lembro que nós tivemos uns sonhos iguais, mas de sair juntos e conversar e eu vir aqui com Andrés…"

"O problema não é esse. O problema é que Renan sonhou com vocês dois invadindo o quarto dele e batendo nele a noite inteira. Detalhe é que o jovem acha que foi para valer, não foi um sonho."

"Como é que é?", os olhos dele agora tinham o diâmetro de xícaras de chá.

"O que você ouviu", eu disse, "ainda não falei com ele, mas Guilherme me disse que ele jurou que era verdade. Não sei como vai ser quando ele te vir, mas acho que não vai ser uma recepção muito agradável."

Anderson estava com o queixo pendurado. Por alguns momentos, foi como se ele não soubesse o que responder. Donana assomou à porta do alpendre, nos viu conversando e retornou para dentro da casa. Depois de algum tempo, foi Guilherme que apareceu no alpendre. Ele disse a Anderson que seria melhor que ele voltasse outro dia. Anderson insistiu em falar com Renan e pelo ruído de passos furiosos no assoalho de madeira da sala ele não teria que esperar muito.

"Veio ver o que sobrou, né, desgraçado?"

Renan veio como um bala, babando de raiva, para cima de Anderson. Foi difícil segurar o menino. Imagine-se a situação de Anderson, sem saber de absolutamente nada — mesmo considerando que eu o iniciei na história antes que Renan saísse de dentro de casa — e agora no meio dessa confusão. Renan tinha os olhos alucinados e truculentos na direção dele, queria alcançar, acertar, afogar, alvejar, aniquilar, apagar, arremessar, asfixiar, assassinar, catar, crucificar, desintegrar, desligar, desmontar, desmembrar, despachar, despedaçar, destroçar, destruir, eletrocutar, enforcar, envenenar, erradicar, estraçalhar, estrangular, executar, explodir, exterminar, extirpar, fazer, fechar, fulminar, garrotear, guilhotinar, incendiar, imolar, implodir, lançar longe, linchar, liqüidar, lixar fora, massacrar, mastigar, matar, neutralizar, obliterar, retalhar, sacrificar, sufocar, sumir com, terminar, trucidar o concidadão (sinônimos para o mesmo efeito em ordem alfabética aparecem por cortesia Thesaurus.com e não, nem mesmo todos eles em conjunto refletem sequer palidamente as intenções de Renan naquele momento).

"Peraí cara, vamos conversar…" Anderson parecia um tanto assustado, mas procurava manter a calma, ao contrário do amigo nervoso.

"E ainda vem aqui p'ra me tirar mais ainda por cima de tudo o que você fez! Não tava satisfeito, né? Tinha que vir… Desgraçado, desinfeliz!"

Éramos três — Donana, Guilherme e eu — segurando o bicho. E estava difícil, eu via a hora em que ele ia se voltar contra nós por não o deixarmos alcançar Anderson e fazer o que seu coração lhe ordenava.

"Renan, foi só sonho, creio em Deus padre!" Donana estava assombrada, pedia a Anderson que voltasse outro dia; este não iria embora sem conseguir falar com Renan e a confusão ficou até que o zangão sentiu sua energia se esgotar. Ele caiu no chão, chorando baixinho, sem mais energia para continuar. Anderson falou com ele sem chegar muito perto, mas disse o que tinha a dizer, "se nós batemos bem em você de verdade e não foi sonho, onde estão as marcas? Devia ter ficado roxo, não?"

Renan não conseguiu responder, arquejante. E porque ele não poderia responder mesmo que estivesse descansado. Porque embora ele dissesse que tudo tinha acontecido de verdade, se a surra que ele diz ter levado à noite dos dois foi metade do que ele contou, ele deveria ter pelo menos um braço quebrado. No entanto, seu corpo não tinha sinais de ter sido ralado ou contundido em qualquer parte. Nada poderia estar mais intacto que ele (pelo menos fisicamente).

Andrés veio à tarde, a pedidos, bem depois de inconscientemente ter usado Anderson como pára-raios. Sentamos para conversar, eu, Donana e os meninos. Anderson reiterou que não tinha tido esse sonho nem naquela noite nem em qualquer outra. Andrés estava mais confuso com tudo o que se tinha narrado do que ele, já que tinha acabado de chegar. Ele era todo ouvidos, mas era todo desentendimento sobre o que ocorria.

"'Tá, eu lembro dos sonhos que a gente teve igual, mas não tive esse sonho também de entrar no seu quarto e de nós sairmos."

"Então quem está mentindo é a D. Stella?", Renan olhou para mim, querendo achar alguém para cozinhar, disso eu não tinha a menor dúvida. Eu falei sobre o sonho lúcido cedo demais, pondo a mim mesma em óbvia desvantagem. Falando com ele e o irmão sobre algo de que não tinha qualquer confirmação por parte de Anderson ou Andrés eu só poderia me colocar mais à frente numa situação com essa.

"Não digo que ela esteja mentindo, mas nem eu nem Anderson tivemos esse sonho. Ela pode ter tido esse sonho sozinha, não?"

"Foi isso, e só pode ter sido isso, já que eu não estou mentindo." Eu tinha que dar meu aparte, já que meu nome parece estar até o pescoço nessa história. Agi cedo demais e agora tenho de correr atrás do prejuízo. Não parece grande agora, mas sabe Deus no que isso pode se transformar, ainda mais num lugar como Taurinos, em que as mais leves vibrações podem ser sentidas pela população local como um terremoto.

"Mesmo que seja um sonho, quem está mandando?", tornou Renan ainda um pouco ofegante.

"Se é que alguém está mandando", cortou Guilherme rente, "não é porque você sonha com uma coisa, mesmo que seja sempre, que tem alguém mandando os sonhos p'ra você, sô!"

Renan ficou em silêncio, olhando todos em volta sem dizer mais nada. Donana queria confortar o filho, mas não parecia encontrar as palavras. Eu também não sei o que dizer. As coisas aqui fogem todo momento ao padrão, tudo é caótico, aleatório e praticamente impossível de ser analisado, já que muda de feição a todo momento, desde que cheguei aqui em fevereiro. É difícil tentar analisar as coisas daqui sob o ponto de vista cartesiano. As coisas de Taurinos não estão colocadas no universo euclidiano, disso não me resta a menor sombra de dúvida. E a cidade, está?

Vendaval | Grande sono

Rádio Universal: Teatro De Sombras

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